VOCÊ É HEAVY METAL OU BUNDÃO?

In ABCD, Artigo On
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Guttemberg Guarabyra

Entrei, acomodei-me, e divisei Djavan numa mesa ao fundo.

Uma composição de Johnny Alf traz o verso ‘talvez quem sabe o inesperado faça uma surpresa’.

A frase deixa entender que nem todo inesperado surpreende.

Pode ser. Eu mesmo já tive essa experiência.

Tenho um amigo que, apesar das dezenas de anos de capital, vive por dentro, e às vezes também por fora, um eterno caipira.

Mas isso me faz lembrar, já que falamos de inesperados, o que aconteceu quando, assim que cheguei a um restaurante, o garçom me trouxe um bilhete. Avisou estar proibido de denunciar o remetente. Após ler e surpreender-me com o conteúdo, levantei-me para olhar ao redor, e descobri o autor do torpedo.

Tom Jobim. O bilhete perguntava: ‘Você é heavy metal ou bundão?’

Tinha ido lá justamente esperando encontrá-lo para curtir juntos outra de nossas inúmeras tardes de chope e papo. Veio sentar-se comigo, às gargalhadas.

E igualmente me faz lembrar o ocorrido em outro restaurante. Entrei, acomodei-me, e divisei Djavan numa mesa ao fundo.

Resolvi repetir a brincadeira inventada por Tom e enviei-lhe igual torpedo, com a mesma indagação.

Não deu muito certo porque o garçom me identificou a ele. Mas a resposta foi à altura: ‘Sou caipira que nem tu’.

O caipira que citei no início combinava melhor com a definição, ainda que não fosse tarefa simples, para quem não o conhecesse bem, identificar naquele ser de fala certeira e opinião permanentemente bem formada, um recôndito roceiro.

Conto um episódio vivido com ele para provar o que digo.

Novamente o caso se passa num restaurante.

Não lembro o que pedi, mas ele escolheu frango ensopado.

Encomendamos também vinho e tira-gosto, para amenizar a fome.

Ao chegarem os pratos e o garçom os ter dispostos à mesa, meu amigo foi lavar as mãos.

Na volta, sentou-se, ajeitou o guardanapo de pano à antiga, introduzindo uma das pontas acima da casa do penúltimo botão superior da camisa e, inesperadamente, ignorou os talheres e meteu as mãos no prato repleto de frango cozido.

Arrebatou lá de dentro um bom e encharcado pedaço do petisco.

Conhecendo-o como o conhecia, não chegou a me surpreender. Os garçons, porém, quedaram-se paralisados pela cena.

No entanto, o saborear do pedaço de frango com gosto e habilidade combinava tão naturalmente com o caipira, que rapidamente, como se diz hoje, já estava tudo normalizado, confirmando a tese de Johnny Alf de que eventualmente inesperados podem não trazer surpresa.

A regra porém é causar espanto.

A situação que Zé Rodrix, saudoso parceiro, gostava de narrar, ainda que fosse apenas mais uma das piadas que encenava de forma magistral, serve como exemplo.

Numa manhã, um homem entra no elevador de todo dia chegando ao trabalho.

No interior do elevador já existe outro cavalheiro.

Como é comum nesse tipo de situação, os dois não se encaram. O nosso homem dirige o olhar para baixo. O elevador inicia a subida.

Ainda mirando o solo, nota como os sapatos do cavalheiro presente no elevador são elegantes, bem lustrados e de design perfeito.

O tecido da calça, com listrado de raro bom gosto, combina perfeitamente com os calçados.

Curioso, vai erguendo o olhar e admira ainda mais a elegância do companheiro de subida. O terno de corte esmerado, a gravata perfeita, e finalmente mira-lhe o rosto. Quase morre de susto. O sujeito não tinha rosto, e, inacreditável, do cimo da cabeça saía-lhe um enorme sapo.

Apavorado, pula para trás, protege-se contra a parede:

— Meu Deus! — exclama.

— Pois é — falou o sapo. — Saiu da minha bunda essa manhã.

Música do dia

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

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