GIGANTES DO BEM

In ABCD, Artigo On

Guttemberg Guarabyra

“O fato de ser novato em tudo, devido ao início meteórico da carreira, cobrou-me diversos castigos, vexames, preços altos e módicos”

Quando deixei meu emprego como office-boy na Líder Contabilidade, no subúrbio carioca do Méier, não tinha ideia de que poucos meses depois estaria nas capas das principais revistas e jornais ao lado de Kim Novak, Quincy Jones e Henry Mancini. Tinha 19 anos.

E não apenas isso. No festival de música que venci concorriam também, entre outros, Pixinguinha, Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Milton Nascimento e Ariano Suassuna.

O concurso era dividido em duas fases. Na primeira, concorriam apenas os nacionais. O vencedor concorria na fase internacional com mais 30 países, na qualidade de representante do Brasil.

Na fase internacional quedei-me em terceiro lugar. Jimmy Fontana, da Itália, levou o primeiro prêmio e Quincy Jones, representante dos Estados Unidos, o segundo.

Na noite em que venci a fase nacional, não sei por que cargas d’água me vi procurando uma carona que me levasse ao boteco no bairro do Leme, onde se reunia minha sagrada turma de todos os dias. Queria comemorar com eles a vitória.

Naquele momento um ator, vanguarda do teatro de resistência, passou por mim e me parabenizou. Vendo meu esticamento de pescoço à procura de algo, perguntou se podia ajudar.

Trazia comigo um precioso galo de ouro estilizado numa clave musical enfeitado com pedrarias, recebido como troféu pela vitória.

Perguntei se estava indo pra casa. Disse que sim. Perguntei se não poderia fazer o obséquio de levar o troféu com ele, e depois veríamos como me devolver.

Livre da preciosidade, ficou mais simples conseguir a carona e correr para os braços da rapaziada que me aguardava, sem o perigo de perdê-la ou mesmo danificá-la em meio à bagunça da comemoração.

O fato de ser novato em tudo, devido ao início meteórico da carreira, cobrou-me diversos castigos, vexames, preços altos e módicos.

Quando a TV Record era a Globo da época, participei de um programa em que três compositores recebiam um tema surpresa para compor em cima dele uma música inédita, a ser apresentada antes do encerramento.

Concorremos eu Erasmo Carlos e outro compositor que, infelizmente, mais de cinquenta anos passados, não consigo lembrar.

Recebemos o mesmo tema e fomos conduzidos cada um a uma sala isolada, para compor.

Ao final, chamados novamente ao palco, desculpei-me por não ter conseguido completar a composição.

Os colegas, no entanto, saíram-se muito bem e apresentaram obras perfeitamente concluídas.

Fiquei em último lugar.

Findo o programa, Erasmo chamou-me num canto e perguntou por que razão não havia concluído minha música. Ouviu a explicação de como levei demasiado tempo para compor algo totalmente inédito.

Nesse ponto, o outro compositor concorrente também havia se aproximado, e assim que terminei a explicação, olharam-se e caíram na gargalhada.

O gigante veterano Erasmo deu-me um tapinha na cabeça, me abraçou e explicou que tanto ele quanto o outro gargalhante compositor haviam trazido músicas prontas, e só tiveram que compor a letra.

Como não pensei nisso antes?

Lembrei desse momento com carinho quando o Gigante do Bem partiu dias atrás.

Do bem igualmente, felizmente, era aquele ator com quem deixei o troféu.

No velho Solar da Fossa, pesquisem o livro de Toninho Vaz, cruzei com Renato Borgh.

— Ei, rapaz, seu Galo de Ouro continua comigo.

Agradeço eternamente às pessoas do bem. Fiquei com vergonha de dizer que havia esquecido totalmente da existência do troféu.

Música do dia

 

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

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