Rubem Fonseca no ponto das Linhas Correntes

In Canto do Joca On
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O ano, se não me falha a memória, era 1978. Eu tinha 19 para 20 anos. Namorava a Rosana havia quase quatro anos. Fazia o terceiro ano de Jornalismo na Fiam, à noite, e o primeiro de Geografia na USP, pela manhã. Sobrava a tarde para trabalhar e, sempre que possível, sonhar com o apito da fábrica de linhas (que depois iriam para os tecidos, com perdão de Noel Rosa), às 17h15, e esperar pela saída do meu amor. Embarcávamos nos velhos ônibus São Caetano, que a deixariam na porta de casa, na Vila Natália, periferia do Ipiranga, de onde ela sairia logo depois rumo à Faculdade de Matemática na Fundação Santo André.

Era quase uma rotina. Minutos juntinhos no ônibus apinhado de gente para matar as saudades.

Em um desses dias, estava no ponto de ônibus esperando meu amor e lendo “Feliz Ano Novo”, do Mestre Rubem Fonseca, lançado em 1975 e proibido pela ditadura militar em 1976, sob o argumento miliciano imoral de que se tratava de um “atentado à moral e aos bons costumes”.

Mas eu tinha um exemplar já surrado, que passara de mãos em mãos entre universitários da época, e me fora dado de presente pelo inesquecível Élcio José Sant’Anna, colega de faculdade e então revisor de Veja.

Vejam só. Lia, encantado com cada palavra do Meste, cada conto lido no ponto, até que uma voz infantil me aborda com tom de espanto, incredulidade e felicidade:

-“Meu (devia ser da Mooca), você tem esse LIVRO???”

Olhei assustado, voltando da realidade da história, e disse: “Sim. Gosta?”

O menino devia ter 13 ou 14 anos, no máximo. Me pediu para folhear rapidamente. Em 15 minutos de espera, praticamente devorou cada conto que pode, enquanto eu o admirava do ponto.

Quando o apito da fábrica de linhas não feriu os meus ouvidos, mas soou como bálsamo, e eu pude distinguir a Rosana, linda como sempre, atravessando aquele gigantesco portão emoldurado por tijolinhos vermelhos, não tive alternativa, e disse ao garoto:

-“Só não te dou de presente porque preciso acabar de ler, e depois passar para a frente (primeiro, a Rosana, claro)”.

Ele entendeu, agradeceu, e eu guardo essa breve história comigo.

Hoje (terça, 15/4/2020), Rubem Fonseca nos deixou, aos 94 anos.

Rosana correu à nossa biblioteca e separou alguns livros dele que devoramos ao longo desses mais de 40 anos. Um melhor que o outro.

Não achamos ainda o “Feliz Ano Velho”, mas com certeza está no armário, e vamos achá-lo, ainda.

Outros estão nessa foto feita às pressas, para homenagear o Mestre, e desejar: “Feliz Vida Nova, Mestre! Muito obrigado!”

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