O MORCEGO DO MAGRÃO

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Guttemberg Guarabyra

E vimos diante de nossos olhos um John Wayne sem coldre nem chapéu de vaqueiro espantar o Batman.

Hoje vou pegar estrada com chuvas e trovoadas.

No início da carreira, começo dos anos 70s, o normal era chegar à maioria absoluta dos destinos por via terrestre.

Não só havia poucas linhas entre cidades do interior, como menos voos.

Daí, cada show empregava muita preparação, inclusive física. Pois estirões que exigiam oito horas ou mais na direção não eram nada incomuns.

Num 31 de dezembro de um ano qualquer dessa época, viajava no banco traseiro de um fusca, numa longa viagem até Salvador. Levava comigo, escondida, uma garrafa de champanhe.

Ao bater a meia-noite, pedi ao amigo na direção, Sérgio Magrão, hoje no 14 bis e naquela tempo baixista do trio Sá Rodrix e Guarabyra, que fizesse uma parada. Precisava fazer um xixi, argumentei.

Mal parou no acostamento, estourei a champanhe.

Brincadeira de mau gosto. Imaginem como foi daí para diante dirigir com as janelas abertas tentando livrar o interior do carro diminuto do cheiro agridoce da bebida.

Mas juventude é tudo. A viagem estava meio chata, e a partir daí virou galhofa.

Lembrança puxa lembrança e lá vem história.

Nessa mesma viagem, paramos numa vendinha num ermo qualquer da Rio—Bahia.

Não havia luz elétrica. Apenas um lampião aceso iluminava o velho balcão de madeira escura, e dois ou três sertanejos (sertanejos de verdade, sem chapéus texanos nem coletes com lantejoulas) interromperam a conversa quando entramos.

Examinamos as prateleiras repletas de garrafas, canecas esmaltadas e utensílios vários para venda, e pedimos café.

O balconista deitou o cigarro de palha numa beirada do balcão e foi em busca da garrafa térmica. Um de nós experimentou também um pão.

Fomos para um cantinho tomar o café e conversar um pouco. Os sertanejos, vendo que éramos de paz apesar das longas cabeleiras, reiniciaram a prosa.

Pagamos a conta e nos dirigíamos para a calçada, quando aconteceu.

Um baita morcego, surgido do nada, rodopiou em altíssima velocidade à nossa frente e, numa manobra pra lá de brusca, grudou no pescoço de Magrão envolvendo-o feito um cachecol de asas negras.

Mal o morcego pousou, recebeu uma certeira bofetada do dono do pescoço, rolou no chão, e, da mesma forma que apareceu, desapareceu voando pela escuridão da estrada.

Foi a reação mais rápida que já vi.

Na vendinha não havia nenhum sertanejo fardado de caubói, no entanto a resposta expressa do cabeludo foi como um tiro rápido de defesa num duelo do faroeste.

Vários signos culturais e cinematográficos se misturaram ali num instantâneo.

E vimos diante de nossos olhos um John Wayne sem coldre nem chapéu de vaqueiro espantar o Batman, que, pela primeira vez em toda a sua existência, se viu batido e saiu guinchando breu afora, deslocando-se velozmente em retirada pelo agreste baiano.

Hoje vou pegar estrada com chuvas e trovoadas. Ia começar essa história, mas o morcego do Magrão me fez perder o rumo.

Música do dia

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

 

 

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