Macarronada com jabá e depois licor

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  • Guttemberg Guarabyra

Acabei indo trabalhar na produção de musicais para a televisão, a fim de garantir o aluguel.

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Com 56 anos de carreira, imaginem que já passei por muitas dificuldades, além, é claro, de muitas alegrias e momentos bem sucedidos.

No início da carreira, em meu primeiro contrato para uma apresentação semanal num café teatro, no Rio de Janeiro, recebia uma renumeração tão parca que, ao revelar a um amigo o quanto ganhava, ele garantiu que se eu cantasse nos jantares em que reunia de tempos em tempos a família, me pagaria o triplo.

Claro que seria mau negócio, pois o que há por trás de uma apresentação é que você está se exibindo para uma plateia de oportunidades, enquanto num jantar em família pouca coisa se aproveita além da boa conversa, do bom macarrão e do licor nem sempre razoável.

Meu primeiro contrato com uma gravadora, porém, foi motivado por minha vitória num dos festivais mais importantes da época.

Fiquei em primeiro lugar, Milton Nascimento em segundo, Chico Buarque em terceiro, mas concorriam muitos outros compositores e poetas pra lá de consagrados como Vinícius de Morais, Pixinguinha, Ariano Suassuna, Edu Lobo, Marcos e Paulo Sérgio Valle, Geraldo Vandré, Dori Caymmi.

O momento de glória logo se transformaria em dificuldade.

Como havia saído do anonimato diretamente para as capas das principais revistas e jornais no espaço de apenas duas semanas, havia uma enorme curiosidade sobre quem seria o garoto de 19 anos autor da proeza de vencer um concurso daquele porte.

Meu pai foi entrevistado por um grande jornal. O repórter indagou-lhe se eu já havia comentado sobre se de fato, como era muito falado na mídia daquele época, existia algum sistema de favorecimento à execução de músicas nas rádios.

Incauto, mas verdadeiro, o pastor batista disse que sim. Que em alguma conversa eu já havia comentado que rolava no meio musical a conversa de que alguns programadores ganhavam algum por fora para executar músicas.

Foi a manchete do dia seguinte.

No Solar da Fossa, pensão histórica que abrigava artistas emergentes, atores, cenógrafos, músicos, compositores, cuja história está excelentemente bem contada no livro de Toninho Vaz, acordei tarde.

Nos corredores, depois de um banho, caminhava lentamente para a portaria e, como sempre, de apartamento a apartamento ia escutando a mesma estação de rádio líder de audiência.

Dobrava um corredor, descia uma escada, soava sem interrupção a voz do disc jockey do horário, que administrava a principal parada de sucessos do Brasil.

Ele comentava a declaração do meu pai, que fora destaque do grande jornal na edição daquele dia.

Para ele, meu pai tinha revelado que eu havia confirmado de maneira definitiva a existência de um sistema de suborno, mais conhecido como jabá, que comprava a execução nas rádios da obra de determinados artistas.

Quase chegando à portaria, o radialista já havia estabelecido uma verdadeira rede nacional, e anunciava, em conversa com um colega do Rio Grande do Sul, que a partir daquele momento não executariam mais nenhuma de minhas músicas nas rádios brasileiras.

Acabei indo trabalhar na produção de musicais para a televisão, a fim de garantir o aluguel.

Mais tarde, retomaria aos poucos a carreira, não sem antes ter atingido um status razoável como produtor musical de programas para a telinha.

Recentemente encontrei uma entrevista prestada em 2015 pelo principal homem de gravadora que liderou a indústria do disco naquela época, em que ele confirma que distribuía propinas para alavancar artistas.

O repórter pergunta: O que era método de massificação? A resposta: — Era mais um estado de espírito. Quando tinha que pagar jabá, eu pagava.

Fiquei feliz e infeliz ao mesmo tempo.

Infeliz por saber que enquanto era boicotado por ter comentado a suspeita geral sobre propinas, a própria gravadora em que eu era contratado na época, e que ele dirigia, cometia o deslize, e ainda se recusou a lançar meu primeiro disco.

E feliz por saber que estava certo quando meu pai veio me pedir desculpas por inadvertidamente ter me metido na encrenca, e apenas o abracei com carinho. Jamais teve culpa alguma.

No auge da carreira na televisão, na TV Tupi dirigi o programa Bibi Ferreira. E na Globo, acabei comandando a direção musical do mesmo grande festival que havia vencido antes.

Mas juro que por vezes, naqueles dias angustiantes em que me vi sem opção alguma, cheguei a cogitar que aquela macarronada em família, que eu desprezara anos antes, bem poderia se converter numa grande opção.

Mas exigiria um licor decente.

Música do dia.

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

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