Horas, oras…

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  • Guttemberg Guarabyra

Às 18 horas o telefone gritou. Dei graças a Deus, pois havia esquecido de programar um alarme no meu poderoso relógio Casio Databank, preciosa novidade da época.

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Gut, o que você ainda está fazendo aí? A plateia está ameaçando quebrar tudo.

Bem, Gut, pra quem não sabe, é como me chamam na intimidade. Vem das primeiras letras de Guttemberg, sobrenome Guarabyra.

O grito desesperado de alerta veio de Beth, uma das produtoras da temporada de shows que apresentávamos, Sá e Guarabyra, no Circo Voador, no Rio.

Era um domingo.

Na véspera, a apresentação havia começado no horário de sempre. Costumeiramente no domingo os shows são iniciados mais cedo, tipo matinê, de modo a permitir que pais em final de passeio com a criançada, possam se divertir com um pouco de música.

Porém, fui avisado de que excepcionalmente naquele domingo o show começaria no horário habitual. Daí que, terminada a sessão do sábado, caí na farra com os amigos. E fui dormir tarde, bem tarde. Melhor dizendo, já era dia quando o farrista apagou.

Mas a primeira etapa da noite, epa!, do dia de sono, durou apenas algumas horas.

O organismo às vezes dá essa rateada. Mesmo quando se tem permissão para um descanso maior, ele cisma em te despertar na hora de sempre, e corta o barato.

Desse modo, ao entardecer, o corpo começou a amolecer devido ao descanso insuficiente e voltei pra cama, no hotel em Copacabana.

Às 18 horas o telefone gritou. Dei graças a Deus, pois havia esquecido de programar um alarme no meu poderoso relógio Casio Databank, preciosa novidade da época.

Mas o alarme de Beth foi muitíssimo mais eficiente. Dei um pulo da cama tão violento, que me senti batendo no teto.

— Como plateia ameaçando quebrar tudo?

— Está fazendo um calor insuportável, está muito muito lotado, muitos pais com crianças.

— Mas como se o show começa nove e meia?

— Quem te disso isso. O show está marcado pra começar agora. Seis horas!!!

Jamais vesti uma roupa tão rápido. Naquele tempo, exibia uma vasta cabeleira que, se esticados os cachos, alcançava a cintura. Improvisei um rabo de cavalo.

Na rua, em vez de ser atropelado fui eu quem quase atropelou um táxi para fazê-lo parar.

Foram momentos de alta angústia até chegar à Lapa, disparar pulando obstáculos, sem ligar para quem tentava impedir desconfiando que pudesse ser um penetra, e chegar à porta dos fundos do teatro já ouvindo o som do show, pois que Sá, cedendo à pressão, o havia iniciado sozinho.

E finalmente adentrar o palco, amassado, olhos esbugalhados, cabelos sei lá o quê.

Só então me dei conta de como havia gente naquele espaço. O circo possui, como todo bom circo, arquibancadas em círculo nas laterais, e alguns, como aquele, apenas um grande espaço no centro, em que os fãs se espremiam em pé. E o calor era de fato insuportável.

Mal iniciei minha primeira intervenção, observei a mãe com a criança no colo que havia tido a péssima ideia, péssima ideia agora, bom dizer, pois fã que é fã quer mesmo é fincar o pé na fila do gargarejo. Mas a boa ideia estava ameaçando transformar-se em tragédia, da maneira como vinham sendo, ela e a criança, empurradas e esmagadas de encontro ao palco.

Entreguei meu violão a um assistente de palco, fui até a extremidade com os braços estendidos, indicando que me entregasse a criança.

A trouxe para meu colo e pedi que levassem a mãe até a lateral em que havia uma escada de acesso e a fizessem assistir ao show, com a criança, num dos lados da coxia.

Foi um sufoco, mas acabou dando tudo certo.

Aplausos finais, bis, plateia se retirando, quis saber como aquilo tinha acontecido.

Ralf, meu empresário, que mesmo quando dava seus foras sempre vinha com aquele ar simpático que comovia qualquer um que não estivesse prevenido contra o poder mágico de sua agradabilíssima figura, veio até o camarim.

Olhou-me, deu um risinho sem graça. — Acho que te passei o horário errado.

Música do dia.

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

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