Dom Pedro Carlos Cipollini*
Nestes dias, além da pandemia da Covid-19, a tristeza e até mesmo revolta, toma conta do coração ao constatar, além da corrupção, a falta de bom senso, tanto do povo como das autoridades, no lidar com a pandemia, e nem diga, a agonia com a falta de vacinas para todos.
Além de tudo isto, os gestos de maldade praticados contra inocentes são graves. O assassinato do menino Henry, de 4 anos de idade, dentro de sua própria casa e ao que tudo indica, praticado por quem deveria cuidar dele, o padrasto, é um alerta para a sociedade.
A violência contra a criança com frequência ocorre dentro da própria casa, no ambiente familiar. A Sociedade Brasileira de Pediatria estima que mais de 100 mil crianças morreram vítimas de agressões nos últimos dez anos no Brasil. É um verdadeiro massacre dos inocentes, a exemplo do que praticou Herodes com as crianças de Belém, na tentativa de matar o menino Jesus.
Creio que diante deste cenário não existem soluções fáceis. Tenho convicção, porém, que o nosso futuro e a resolução desta crise, passa pela solidariedade. Penso isto não só por causa de minha fé em Jesus Cristo, que nos deixou o mandamento do amor, o qual na prática, se traduz em solidariedade; mas é também uma questão antropológica, de sobrevivência da raça humana.
Sem solidariedade não haverá progresso para todos e consequentemente não haverá paz, porque a paz é fruto da justiça. E não há justiça maior que dar a todos o direito à vida digna, o que só é possível com a partilha e o cuidado de uns para com os outros.
Hoje se fala da “ética do cuidado”, tanto o Dalai Lama, budista, como os teólogos católicos chamam de ética do cuidado o cumprimento do mandamento de Jesus: “Amai-vos uns aos outros” (Jo 15,12). Ética significa princípio universal que a razão percebe, não o instinto. O instinto de sobrevivência às vezes torna as pessoas agressivas. Mas a razão percebe que é na união que poderemos ser mais fortes, é se agrupando e se ajudando, cuidando uns dos outros, que poderemos vencer os maiores desafios.
Jesus, aliás, disse que é o bom pastor. O que faz um pastor? Cuida do rebanho. Jesus disse: Eu sou o bom pastor, dou a vida pelas minhas ovelhas (Jo 10,11). Ele também fala dos mercenários que assaltam o rebanho para explorá-lo e, não raro matar as ovelhas. O mercenário é nosso lado escuro: explorar ao invés de partilhar; agredir ao invés de cuidar; tirar proveito de tudo em prejuízo dos outros, ao invés de ser fraterno e cordial.
Cuidar, no entanto, é nossa estrutura radical. No mais íntimo de nosso ser sentimos o apelo de cuidarmos uns dos outros. Como sabemos disso? Porque quando o fazemos nos sentimos bem, nos sentimos realizados.
Padre Libânio, teólogo, explica o que é cuidar. Diz ele que cuidar é “mudar o olhar”. Nós temos dois modos de olhar as coisas, dois olhares: o do sujeito (Pastor) e o do objeto (mercenário). O olhar do objeto olha e pergunta: como funciona? Qual sua utilidade? O olhar do sujeito, olha e pergunta? Quem fez isto? Quanto tempo gastou? Com que carinho deve ter se esforçado para conseguir? O olhar do objeto só vê coisas e pergunta pela sua utilidade. O olhar do sujeito vê a alma das coisas, com sentimento que faz perceber o mistério e a beleza dos seres que nos rodeiam.
Se quisermos uma sociedade com futuro melhor para todos, é preciso cuidarmos uns dos outros e também da natureza, mudando nosso olhar!
* Artigo por Dom Pedro Carlos Cipollini, bispo da Diocese de Santo André