Por Paulo Lotufo, epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina (FM) da USP, publicado originalmente no Jornal da USP
Há exatamente um ano, o cenário da epidemia ainda não tinha sido classificado como pandemia e já preocupava todo o planeta. As informações existentes eram de que a doença era provocada por um vírus que afetava as vias respiratórias provocando pneumonia. Até então, isso não seria novidade frente ao constante embate que já tivemos em outras epidemias causadas por vírus, principalmente pela influenza.
A experiência recente da humanidade tinha sido com a Sars em 2003, que se restringiu praticamente à China e a cidades do Canadá, e com a Mers em 2012 no Oriente Médio. Ambas as epidemias se esvaneceram com medidas clássicas de controle de doenças. Um parêntese para a experiência aqui no Brasil da epidemia pela influenza H1N1.
Iniciada ao final de abril de 2009 no México, a influenza pelo H1N1 se espalhou pelo mundo, atingindo o Brasil em junho daquele mesmo ano. Por sorte do calendário, as férias escolares de julho se iniciaram, e depois houve prolongamento por mais 15 dias. Assim, durante aproximadamente sete semanas, não houve aula. Uma escola de São Paulo, que adiantou a volta às aulas em uma semana em agosto, testemunhou que um aluno infectado transmitisse para outros 20, em uma classe com 35 estudantes.
Essa experiência, incluindo a negativa, mostrou o papel fundamental do isolamento social, no caso da H1N1, para controlar a disseminação da epidemia. No entanto, à época notou-se a fragilidade imensa dos equipamentos de ensino em termos de segurança sanitária. Uma avaliação válida desde creches até universidades.
Um diretor de uma instituição de ensino superior se queixou da obrigação de pias ao lado dos refeitórios! Outra diretora exigiu que a Secretaria da Saúde disponibilizasse o álcool em gel! Isso mostrou, a quem estava acompanhando o controle da epidemia, que os educadores não têm conhecimento de que o modo como o prédio da escola é utilizado tem implicações na saúde de todos os ocupantes. Vencida a epidemia da H1N1 com poucas consequências e uma campanha vacinal exitosa, a agenda de ambientes saudáveis foi, na maioria das instituições, postergada, quando não cancelada.
Retornando a março de 2020, a entrada do vírus no Brasil já tinha ocorrido antes. Férias e, principalmente, o Carnaval contribuíram para o espalhamento do novo coronavírus. Com o reconhecimento da gravidade, particularmente, o Estado de São Paulo foi ágil indicando o fechamento do comércio não essencial, restrição de mobilidade e fechamento de escolas a partir de 24 de março. No entanto, a resposta da população foi muito mais ágil porque, já no dia 18 de março, todas as escolas já não estavam funcionando.
O resultado desse período inicial foi fundamental para reduzir expressivamente o impacto da epidemia em São Paulo. Para efeito de comparação, o Estado de São Paulo sofreu em 2020 um excesso de mortes em relação aos anos anteriores de 16%, melhor do que vários países europeus, e muito inferior ao do Amazonas, um Estado onde não houve distanciamento social, com 50% a mais de mortes.
O que houve de diferente em relação à pandemia da covid quando comparada com a do H1N1?
Primeiro, o coronavírus tem atuação muito maior do que o da influenza com quadros clínicos inéditos. Segundo, o governo federal “derrubou com os pés, nos meses seguintes, o que a sociedade criou com as mãos”, com isso o distanciamento se reduziu, incluindo o efeito do atraso do auxílio emergencial. Terceiro, a perspectiva de vacina não era tão próxima. Assim, se postergaram várias medidas de relaxamento do distanciamento que passaram a ser influenciadas por interesses, os piores possíveis na sociedade contemporânea.
A sociedade de celebridades, da celebração do hedonismo e da futilidade, mostrou a sua capacidade de influência, principalmente no governo federal. Redes de fast-foods, de academias, de salões de belezas, lojas de quinquilharias foram as que mais pressionaram as diversas esferas de governo para reabertura de seus negócios tidos como grande fonte de empregos.
Em contraste, o setor educacional obedientemente esperava manifestação da área da saúde. No entanto, epidemia é um fenômeno social com decisão política. A área da saúde não foi hábil em mostrar que, qualquer opção de abertura, seja de escolas ou do comércio não essencial, diminuiria o controle da epidemia, inevitavelmente. A questão era a sociedade decidir: escolas ou comércio.
A decisão foi tomada não somente no Brasil, mas em outros países. Uma caricatura foi a de que “a mãe preferiu arrumar as unhas, o pai fazer musculação, enquanto os filhos ficavam com aulas pelo zoom”. Essa frase não foi escrita a primeira vez aqui, mas por um observador nos EUA, mas com certeza foi uma situação existente por aqui.
No atual momento de nova restrição no Estado de São Paulo na fase vermelha a partir de 6 de março, caberá à sociedade como um todo optar novamente sobre o que será mais arriscado e, principalmente, desejado.
Obviamente, a prioridade é abertura das escolas, priorização da vacinação aos trabalhadores da educação e melhoria das condições sanitárias de todos os estabelecimentos.
O custo da pandemia em mortes e sequelas da doença é o maior de nossa história recente. No entanto, o atraso escolar motivado pela ausência de aulas presenciais marcará uma geração de forma profunda com enormes diferenças sociais.
Assim, precisamos repetir que a educação de crianças e jovens é a atividade mais essencial da sociedade. Que mães com cabelos brancos e pais barrigudos fiquem felizes com o progresso de seus filhos em todos os níveis da atividade humana provido por uma da maiores invenções da humanidade: a escola!