Fechando a porta dos sonhos

In ABCD, Artigo On
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Por Guttemberg Guarabyra*

A porta para os sonhos está aberta! Madalena lê novamente o texto: “Como os caniços do bambu se curvam para que o vento forte passe sem lhes causar dano, curve-se à vontade celestial”. Sendo assim, não resta mais nenhuma dúvida: a porta para os sonhos, segundo sua interpretação, está, finalmente, aberta!

Para auxiliar nas interpretações, Madalena não dispensa também a simplicidade das ocorrências que não exigem explicações sofisticadas. Por exemplo: as pessoas do signo de peixes, independentemente de qualquer teorização, serão leves como o vapor e translúcidas como o orvalho. Aquelas ligadas ao metal serão, inevitavelmente, duras e pesadas. E assim por diante. Desse modo, dentro de sua acepção muito pessoal dos estudos divinatórios, a profetiza extrai dos oráculos o veredito do qual já desconfiava: a mulher que lhe roubara o marido é uma libertina metida a besta vinculada à madeira. “No momento, encontra-se boiando na superfície da maré, mas logo estará jogada na areia de uma praia deserta em que será enterrada e, posteriormente, apodrecida pelo tempo”.

A conclusão não é de todo favorável, pois até que as marés e a areia destruam a madeira pode haver uma longa espera. E Madalena quer seu Magrão de volta imediatamente. Quer sentir de novo o hálito quente sussurrando: “Fofonha…”.

Madalena é, digamos, bem alimentada. Detesta que toquem no assunto, mas isso é o que menos importa quando quem fala é o seu Magrão. Só ele sabe mencionar o assunto enquanto acaricia seu corpo gorduto e macio sem a magoar: “Fofonha…”

Por sorte, baseando-se nos mesmos estudos, Madalena encontra uma alternativa que promete resultados imediatos. Consiste em enfrentar o problema de frente, de maneira decisiva e imediata. Convencida de que uma ação determinada trará seu Magrão de volta num piscar de olhos, nem pensa duas vezes. Decide percorrer sem perda de tempo os poucos quarteirões que a separam de seu amado e parte para a reconquista.

E logo bate à casa do ex-marido. É quando o verdadeiro problema a ser enfrentado lhe abre a porta. 

Trata-se de uma morena e tanto. Jovem como a luz da manhã, forte como a luz da tarde, meiga como a luz da lua — uma deusa. O ser celestial, que jamais a vira, depois de alguns momentos em que se miram mutuamente, abre um sorriso absolutamente divino e pergunta à visitante o que deseja. Milhões de respostas surgem na cabeça de Madalena. Precisa pensar rápido. De dentro da casa, uma voz, muito sua conhecida, quer saber com quem a beldade está falando. Antes que a morena responda à voz, Madalena acha o que dizer: “Eu vendo sonhos”. “Sonhos?”, alegra-se a outra: “Adoro sonhos!”. “Verdade?”, pergunta Madalena, confusa. E completa: “Estão bem ali, vou buscar e volto já”. E, mais do que depressa, bate em retirada.

A morena linda, madeira, metal, pedraria, tudo, vira-se para o interior da casa e grita para o feliz Magrão, que ainda está sob o chuveiro: “Era uma vendedora de sonhos, meu amor. Você também vai querer?”. Magrão, piadista como sempre, lembra-se secretamente da ex que adorava traduzir sonhos e oráculos, e, rindo por dentro, responde, irônico: “Depende da interpretação!”.

Madalena, de regresso, finalmente entra em casa. Por ironia do destino, tanto ela quanto a morena — ambas cansadas de esperar por sua espécie de sonho — fecham as portas ao mesmo tempo.

Música do dia

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Francisco, Interior da Bahia, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro, cronista de ABCD REAL, publica, às segundas e sextas-feiras crônicas de seu livro “Teatro dos Esquecidos” e outras.
  • O livro pode ser adquirido pelo https://editorathoth.com.br/produto/teatro-dos-esquecidos/106
  • Esta crônica, por exemplo, “Fechando a porta dos sonhos” , está nas páginas 109 e 110 dessa publicação imperdível.
  • Entre os maiores sucessos de Guarabyra como compositor e cantor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra Vez na Estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá), “Espanhola” (com Fávio Venturini), “Dona” e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas publicadas na grande imprensa, entre elas, em conclusão, o Diário Popular.

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