Felicidade

In ABCD, Artigo On

Por Guttemberg Guarabyra*

Você sai pela vida à procura de um destino. Sai à procura da felicidade, que é uma palavra metida que nunca diz direito o que é. Ela é feita de coisas tão diferentes como dinheiro e um grande amor. E de outras tão simples quanto conhecer um lugar, viajar por um rio, banhar-se no mar pela primeira vez. Em alguns casos, ela parece que vai e vem sendo representada nos dois sentidos opostos. Assim, acontece de um sujeito se dizer feliz porque casa e, depois, achar que a mais pura felicidade está em cair fora do casório, fugindo do casamento como o diabo foge da cruz.

Tom Jobim, mais ou menos nessa linha de raciocínio, certa vez me disse que o pensamento é burro. Como prova, mencionou que o cidadão comum faz planos como ter uma mulher que ama, uma casa e dois carros; e, depois que consegue tudo isso, quer uma amante em outra casa e três carros. Em contrapartida, aparteei, brincando, que, se o pensamento fosse tão burro, ele não teria conseguido formular essa teoria. Ao que o maestro supreendentemente me respondeu com uma bronca tremenda, bradando em altíssimo volume que eu “havia lido alguns livros e pensava que sabia tudo!!!”.

Foi talvez o maior vexame que passei em toda a minha vida. Nunca tinha visto o maestro tão exaltado e jamais o veria assim novamente no futuro. O bar, que estava no auge do movimento, silenciou bruscamente e fiquei de cabeça baixa enquanto Tom, que havia se posto de pé, continuava a gritar, bufando a frase. Vai ver que a felicidade para ele era propor uma teoria perfeita a fim de explicar a eterna busca pelo homem da felicidade, e pequei ao não perceber o quanto levava a tese a sério. O resultado é que ficamos sem nos falar por mais de ano, até que, desta feita com a elegância de sempre, me pediu desculpas delicadas e gentis na tarde em que Maysa morreu. Mas isso é outra história. De todo modo, fiquei muito feliz com as pazes. E, com a volta aos nossos longos papos, me senti absolvido. O que foi muito bom, pois, sem culpa, a gente sempre caminha melhor em direção à felicidade.

Quando se é criança, então, a felicidade tem muitos outros sentidos. Sem saber ainda que a vida não é eterna, não nos preocupamos em encontrar o que nos torne felizes com o compromisso de que aquilo dure por muito tempo. E o contentamento passa a ser coisa de momentos, minutos, por vezes instantes tão fugazes que parecem até abstratos. Eu mesmo tinha muitas maneiras de ser feliz naquele tempo. E creio que a maior forma de felicidade que vivi acontecia nas Pedrinhas, um lugarejo pequeno, de poucas casas, terra natal de uma de minhas irmãs de criação, nos arredores de Xique-Xique, na caatinga baiana, onde vivíamos. Não sei por quantas vezes estive por lá. Tenho certeza apenas de que foram pouquíssimas.

Na primeira manhã em que desfrutei dessa sensação, fui levado na garupa de um cavalo para tomar banho num riacho cristalino cujo solo ao redor era coberto de pedregulhos mínimos e redondos. Diferentemente dos que existiam no lugar onde eu morava, que eram cheios de pontinhas cortantes, esses não machucavam a sola ainda fininha dos meus pés. Amoldavam-se, confortáveis, como se tivessem sido fabricados especialmente para que eu os pisasse. Bem à beira do córrego transparente, havia pedregulhos maiores, macios e lisos, que eu saboreava apertando-os entre as mãos. Ainda hoje fecho os olhos e sinto o tato confortável que transmitia uma energia diferente, que me enchia de um vigor até hoje difícil de explicar. A não ser que, deixando de lado alguma lógica exata, traduza aqueles momentos como sendo, apenas, o achamento singelo da mais pura, autêntica e cada vez mais fugidia felicidade.

Música do dia

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Francisco, Interior da Bahia, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro, cronista de ABCD REAL, publica, às segundas e sextas-feiras crônicas de seu livro “Teatro dos Esquecidos” e outras.
  • O livro pode ser adquirido pelo https://editorathoth.com.br/produto/teatro-dos-esquecidos/106
  • Esta crônica, por exemplo, “Felicidade” , está nas páginas 111 e 112 dessa publicação imperdível, do mesmo nome.
  • Entre os maiores sucessos de Guarabyra como compositor e cantor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra Vez na Estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá), “Espanhola” (com Fávio Venturini), “Dona” e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas publicadas na grande imprensa, entre elas, em conclusão, o Diário Popular.

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