Joaquim Alessi
Despretensiosamente (mas esperando resposta positiva) comentei com Guarabyra, logo cedo, que neste domingo (08.12) faz 30 anos que Tom nos deixou.
Mas também deixou um legado imensurável para a Cultura, não só do Brasil; do mundo.
Gut (como o chamamos os amigos mais próximos, ou Gutbyra Guaremberg, como dizia Elis Regina) imediatamente afirmou: “Lembro como se fosse hoje do dia em que recebi a notícia. Difícil de acreditar.”
Além disso, entendeu muito bem o recado e, de imediato, lembrou de crônica já publicada em ABCD REAL, mas que vale a pena ler de novo, atualizada.
Deleitem-se, pois:
OH, NO!
Por Guttemberg Guarabyra*
Não sei falar inglês. Ou pouco mais do que nada.
Por algum tempo isso me incomodou. Hoje, a três anos dos 80 pouco importa. Deu para sobreviver perfeitamente sem ele.
Desembarquei em Nova York e o homem da imigração cismou, claro, com minha cara indígena, mexicana, peruana, ornada pela imensa cabeleira.
Enquanto abria minha bagagem, interpelava sobre minha vida. Consegui entender uma ou duas perguntas.
Queria saber minha profissão. Músico.
Brasileiro, músico… Deve ter imaginado se através de uma boa pergunta não poderia certificar-se de que estava sendo sincero. Perguntou sobre Tom Jobim.
Meu amigo, informei.
Really?
Yes.
Quase brinquei que era sobrinho, em alusão ao bilhete que Tom Jobim me escrevera e assinado como Uncle Tom.
Tudo mudou. Tornou-se subitamente mais gentil, esqueceu a bagagem, aproximou-se para dizer que era fã absoluto do maestro.
Dois ou três anos antes, Tom havia gravado o estupendo e histórico álbum com Frank Sinatra. Se já era um monumento brasileiro, a partir da parceria com o monumento americano-planetário tornara-se monumento mundial. E lá estava eu, diante do immigration man (Oh, let me in, immigration man. Quem conhece?), apresentando-me como seu amigo.
Minha atitude espontânea, acredito, convenceu o faro experimentado do policial de que falava a verdade. Daí virou papo de boteco, só que, em virtude do parco conhecimento de ambos sobre o idioma do interlocutor, a comunicação por gestos dominou o diálogo.
Em certo momento aproximou-se como se fosse contar a mais nova fofoca do pedaço.
Ao pé do meu ouvido disse uma frase que não consegui traduzir. Como claramente não havia entendido bulhufas, afastou-se e voltamos à linguagem de gestos.
Exibia a língua e apontando para ela repetia uma frase. A única palavra que conseguia entender era Sinatra.
Por fim uma brasileira veio em meu auxílio. O immigration man queria me informar do boato que corria. Sinatra teria sido acometido por um câncer na língua.
Oh, no! Respondi.
Um burburinho num dos guichês mais distantes nos chamou a atenção. Martinho da Vila tinha viajado no mesmo voo que eu e, acompanhado de seus sambistas, parecia enroscado com um dos colegas do meu mais novo amigo.
No inglês possível expliquei que aquele outro brasileiro era tão orgulho em nossa pátria quanto Tom Jobim.
Aí foi sua vez de exclamar: Oh, no! E sair correndo em direção ao alvoroço para confabular com o outro agente e liberar a trupe de Martinho.
De volta ao Brasil, no primeiro chope que tomei com Tom, comecei a conversa dizendo que Martinho lhe devia um grande favor.
Depois de rirmos um bocado com toda a história, demos início a mais uma de nossas memoráveis tardes de bate-papo.
Garçom, please, get me um chope bem gelado.
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