Muita gente vai atrás do Trio Elétrico, mas eu tive a honra de ir atrás de um “Tio Elétrico”.
Antonio Alessi, Tio Toninho!
Não só pela formação profissional de Eletricista de autos, dos mais brilhantes, mas porque era elétrico mesmo, na vida.
Meu pai, seu irmão, “seo” Hylário Alessi Sobrinho, 10 anos mais velho, o tinha como xodó, lembra minha irmã Lourdes.
Hylário de 1918, Tio Toninho, de 1928. Tinha acabado de completar 94 anos em 1º de janeiro.
Ainda curtia o “novo ano”, em todos os sentidos, e por isso não quero falar da Covid que o levou.
Quero lembrar que estive com ele em setembro de 2019, pouco antes dessa pandemia sem adjetivo.
Essa imagem, no sofá de sua sala, em São João Clímaco, mais Sacoman, São Paulo, sei lá…
É a última visão, o derradeiro contato.
Mas tem história.
Menino, com 6, 7 anos, meu saudoso pai me levava à garagem da CMTC, no Jabaquara, todos os anos.
Quando em férias, tinha de ir lá, sei lá fazer o quê. Mas, me levava.
E eu amava.
Uma viagem de ônibus, sobe em um, desce em outro.
“Seo Hylário” não pagava passagem. Postava-se junto à porta dianteira, por onde todos desciam, e discretamente virava a gola do paletó.
É, isso mesmo, paletó. Lavador de ônibus ia para a garagem todo dia de paletó.
Escondido sob a gola, o PIN do Sindicato dos Condutores de Veículos Rodoviários e anexos e tralalá…
Não podia ficar à mostra. Sobrevivíamos sob a ditadura militar ferrenha.
Corriam os sombrios anos de 1964, 1965… 1968! Que dura, a dita época!
Sei que eu ficava orgulhoso. Viajar sem pagar, privilégio dos sindicalizados de então.
Era uma espécie de acordo coletivo de quem cuidava dos coletivos.
A chegada na garagem era uma festa.
Eu era o rei, como um chefe de estado chegando, e o meu tapete vermelho era o óleo de motor escorrendo pelas valetas.
Tio Valentim Sussi, irmão da minha mãe, Ângela Succi, era o primeiro a me receber. Com honras.
Ele, mecânico, posto mais graduado.
Depois vinha Tio Toninho, Eletricista, com caixa alta, letra maiúscula, diploma técnico.
Meu pai, 10 anos mais velho, não tivera a oportunidade de estudar. Mal sabia assinar o nome, mas com uma letra de causar inveja.
O H e o y pareciam bordados no papel. Eu, que sempre tive garranchos, babava.
Tinha o tio João, ainda, motorista, morador do bairro do Limão, a completar a comitiva.
Os malucos me colocavam em um ônibus limpinho, que acabara de ser lavado, e davam umas voltas pelo pátio.
Muitas vezes eu me sentava no banco do cobrador e brincava de cobrar a passagem, sonhando com a grana de quem passasse pela roleta.
Uma viagem! Literal!
Uma vez por ano, nas férias do meu pai, eles me davam esse prazer, essa alegria.
Mas, tem ainda história do DKW, um carro, para quem não é tão velho quanto eu.
O saudoso a amado cunhado Hélio Horta, sempre generoso, comprara um, usado, a fim de que meu irmão, João Hilário, trabalhasse na Praça.
Sabe o que é isso? Não é na Praça É Nossa, não. Era como taxista mesmo.
Em um final de tarde, João chegou em casa e estacionou o DKW na garagem. Aliás, garagem não. Um recuo na frente de nossa humilde casa na rua Protocolo, 227, São João Clímaco.
Tirou a chave do contato, e… quem disse que o carro desligava?
Teimava em girar o motor, e ninguém tinha ideia do que fazer.
Meu pai olhou e pra mim e disse: “Corre até a casa do Tio Toninho. Vá chamá-lo”.
Lá fui eu, ainda criança, e nem era muito perto, não. Coisa de um quilômetro, ou pouco mais, mas os tempos eram outros.
Sempre pronto a atender quem quer que fosse, Tio Toninho veio rápido, comigo.
Em poucos segundos o DKW estava desligado. E, melhor, consertado para o dia seguinte na praça.
Esse era o Tio Toninho.
Esse é o Tio Toninho.
Que deixa grandes lições.
Levado por uma doença estimulada por genocidas imbecis e desumanos, e por seus seguidores.
Mas que vai continuar nos levando por caminhos bem melhores e necessários.
A bênção, Tio Toninho, meu Tio Elétrico!