RODRIX

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Zé Rodrix, em foto de Guttemberg Guarabyra

Guttemberg Guarabyra

Sua morte me deixou abalado. Poucas mortes me deixaram tão derrotado.

27.380 dias.

Ou 75 anos. No próximo dia 20, atingirei a marca.

Zé Rodrix também atingiria a mesma soma cinco dias depois.

Infelizmente, Deus o transportou dentro da baleia para junto de Si, antes do combinado.

Alguém dirá que Deus não combina, determina e está acabado.

Acho que não ocorre na totalidade do tempo.

Hoje, quando câmeras ocultas e satélites rondam o espaço a fotografar partes íntimas dos planetas e da vida das pessoas, atribuições que décadas atrás eram exclusivas do Senhor, dá pra supor que Deus nem sempre cumpre acordo.

O Tsunami por exemplo. Não consigo imaginar que interesse teria Ele em fazer o Japão viver dias de inferno.

Talvez tenha sido coisa de Satanás.

Se considerar o Diabo como o anjo rebelde chancelado pela Bíblia, cujo poder tamanho foi capaz de, sem que Ninguém pudesse impedi-lo, expulsar do Paraíso a mais importante criação divina, feita à Sua semelhança, não há como não desconfiar de que nem todo acontecimento é ajustado no escritório d’Ele.

Em compensação, quando as câmeras flagram aquela senhora que parou para assoar o nariz e esse único passo não concretizado a livrou da enorme árvore que caiu arrancando-lhe o lenço mas mantendo-lhe a vida, dá pra consagrar o Deus compromissado em agir de acordo com as determinações do Destino. A hora aprazada de acontecer o contrário, ir a vida e ficar o lenço, ainda não tinha chegado, e o escrito foi devidamente cumprido.

Porém, deixemos essas questões com o Papa, CEO do Céu na Terra, e sigamos adiante com Rodrix.

Sua morte me deixou abalado. Poucas mortes me deixaram tão derrotado.

Recebi a notícia no meio da noite. Dormia, fui acordado, e, desligado o telefone, mantive-me a fixar o olhar no nada. O cérebro havia se tornado num aparelho em pane, num avião em estol, abaixo da velocidade de sustentação, em queda livre por um espaço desconhecido.

Pelos próximos dias esse estado letárgico me assaltaria vez em quando, sem aviso.

Peguei-me ligando a máquina de café e me surpreendendo com uma xícara já preparada momentos antes, esfriando sobre a bandeja.

Não quis ir ao velório. Os amigos insistiram.

Quando criança, cinco, seis anos, no sertão, fizeram-me tomar banho e me puseram uma roupa de passeio usada apenas em ocasiões especiais. Igreja aos domingos, festas de aniversário.

Contente como cachorro quando ouve o conhecido som da coleira de passear, abanei o rabinho.

Fui conduzido alegre e enganosamente a um velório. De um bebê. Ou de um anjo, como diziam.

Haviam-lhe deixado os olhos abertos. Nunca pude entender como não estavam enxergando.

Pouco entendia da vida e muito menos da morte.

Aquilo me deixou marcas. Cismei que o anjo olhava para um raio de luz emitido através de uma pequena janela de ventilação no mais alto da parede. E que algo através daquele olhar, quem sabe seu espírito, voava naquela direção.

Dali herdei uma angústia com velórios.

A expressão mais repetida pelos amigos, diante de minha recusa em comparecer ao velório, foi a de que iria ‘pegar mal’. Como pode haver argumento tão mundano diante de um evento monumental que perturba por dentro outra id, ego, psique, ou lá o que seja, não dá para explicar, mas é perfeitamente humano.

Para meu conforto, Zé estava de olhos fechados. Para minha surpresa, sorria.

Conhecia aquele sorriso irônico tantas vezes curtido em piadas, códigos de comunicação no palco, e em dadas ocasiões valendo como um piscar de olhos por trás dos ombros de alguém que estivesse mentindo.

A partir dali não me curei da angústia de velórios. Porém não considero mais mórbido falar sobre o fim da vida.

Os anos passam, 27.380 dias para entender como funciona o que se é.

Como o Céu não é submetido à Lei da Transparência, não sei o que está definido em meu protocolo.

Mas, quando minha ficha cair, que dê um jeito de me manter inteiro, calmo, e, feito um Zé Rodrix, sorrindo.

Mas se quiser, pode destroçar o lenço.

Músicas do dia

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

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