Guttemberg Guarabyra*
Não tenho a conta de quantos shows fizemos (Sá & Guarabyra) nesses 52 anos de carreira. São alguns milhares. Comento porque ontem achei entre meus guardados a primeira crítica sobre nosso trabalho publicada na imprensa. Naquele momento em trio, Sá, Rodrix e Guarabyra. Esperávamos ansiosos as críticas depois da estreia. E a primeira foi publicada logo pela revista mais influente, a mais lida no Brasil naquele momento. A revista Veja. E nos esculhambava.
O crítico dizia que nossa estreia tinha sido um verdadeiro réquiem. Segundo o Dicionário Houaiss:
Réquiem:
— Prece que a Igreja faz para os mortos
2 Rubrica: música.
— Composição sobre o texto litúrgico da missa dos mortos cujo introito começa com as palavras latinas requiem aeternam (‘repouso eterno’)
Tememos que, diante de tamanha esculhambação, os shows do fim de semana próximo seriam um fracasso de plateia. Mas a frequência foi idêntica à da estreia. O teatro estava absolutamente lotado mais uma vez. Nossa temporada, que deveria durar apenas duas semanas, a pedido do teatro foi estendida por mais seis.
Sábado e domingo passados estreamos nosso novo show, ‘Mar e Sertão’. Duas noites de teatro lotado (modéstia às favas) como sempre. Aí fico pensando no texto da Veja; O que deu naquele articulista? E aí lembro também de quando um crítico de música do Jornal do Brasil, no Rio, precisava produzir críticas para dois shows que ocorriam no mesmo horário. para serem publicadas no dia seguinte. Confiando em minha opinião, incumbiu-me de assistir um deles e depois transmitir-lhe o que tinha achado, para que elaborasse a crítica baseado em minha avaliação.
Achei o show maravilhoso, esplendoroso, de uma cantora brilhante mas que, sabe-se lá por qual razão, nem sempre angariava a simpatia dos críticos.
O crítico publicou a matéria seguindo meus elogios. Mas quando ele próprio foi assistir ao show, simplesmente o detestou. E me passou a maior descompostura. Quase cancelou nossa amizade. Mas não sei como poderia não ficar pasmo, encantado, presenciando pela primeira vez, ali, tão perto, a força colossal e deslumbrante de Elis Regina.
E assim vamos sobrevivendo aos réquiens da vida.
Música do dia:
‘Olhos abertos’ (Guarabyra e Zé Rodrix, 1972) com Elis Regina
- Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Francisco, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra Vez na Estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá), “Espanhola” (com Fávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas publicadas na grande imprensa, entre elas o Diário Popular.