Pessoas em situação de rua da cidade de São Paulo recebem capacitação em gastronomia e são encaminhados para trabalhar em restaurantes por meio de iniciativa da ONG SP Invisível. Desde 2023, a chamada Jornada da Emancipação já capacitou 78 pessoas e incluiu 46% delas no mercado de trabalho.
De acordo com André Soler, CEO e Fundador da SP Invisível, o objetivo da iniciativa é disponibilizar uma trilha de oportunidades para pessoas em situação de rua conquistarem autonomia financeira e resgatarem a autoestima por meio da capacitação profissional e inserção no mercado de trabalho formal.
“Do ano passado para cá tivemos um aumento de 73% no número de pessoas capacitadas por esse projeto de cuidado individualizado que, além da autonomia financeira, permite o resgate da autoestima. Estamos muito felizes com os resultados e prevemos crescimento para 2025”, afirma Soler.
A Jornada da Emancipação é voltada para pessoas que vivem em centros de acolhida na cidade de São Paulo e que demonstram interesse em se capacitar na área de gastronomia e ingressar no mercado de trabalho formal. Após triagem realizada por psicólogos e assistentes sociais da SP Invisível, os educandos iniciam o curso de dez semanas de duração na Universidade Anhembi Morumbi. Para concluir a capacitação, os estudantes precisam ser aprovados no TCC, que consiste no preparo de um prato gastronômico a ser avaliado por uma banca de especialistas. A última turma do ano realizará o TCC prático no dia 11 de dezembro, e a cerimônia de formatura acontece no dia seguinte (12). Ao final da formação, a equipe da SP Invisível conecta os formandos com restaurantes parceiros e os acompanha por pelo menos seis meses. No mês de dezembro, a última turma do ano vai realizar
A metodologia da Jornada foi criada pela ONG SP Invisível com auxílio da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “A inclusão produtiva é um ponto importante para as pessoas saírem da situação de rua. Ao longo de toda a formação, os educandos vão ganhando confiança, melhorando a autoestima e vendo que podem ocupar outros espaços além das ruas da cidade”, afirma Luisa Gomes Santiago, assistente social da SP Invisível.
Este é o caso de Celso, 58 anos, ex-morador de rua e um dos participantes da Jornada da Emancipação. Três dias após concluir o curso, Celso foi chamado para uma entrevista e hoje atua na cozinha de um restaurante francês.
“Comecei a usar drogas e perdi o contato com a minha família. Eu morava no albergue quando a psicóloga de lá me apresentou a SP Invisível. Como eu estava cansado dessa situação e queria mudar, decidi fazer o curso. Lá me senti valorizado, respeitado, perdi o medo de cumprimentar as pessoas. Terminei o curso e me chamaram para fazer um teste em um restaurante francês. Nessa época minha autoestima já estava lá em cima. Quando consegui o emprego postei na rede social e minha família me deu parabéns, ficaram felizes com a minha mudança. Hoje, voltei a morar com eles”, conta.
Luccas, 28 anos, se formou no curso em outubro deste ano e está em busca de uma oportunidade de emprego na área. “No início do processo me senti meio desconfortável porque era um ambiente que eu não estava acostumado, mas após alguns dias comecei a me sentir feliz por estar na universidade e ficar ansioso para voltar e continuar o curso. Aprendi muita coisa. Agora estou formado e em busca de um emprego. Enquanto isso, exerço o que aprendi na casa de recuperação em que sou coordenador. Faço a alimentação dos 18 alunos e coloco em prática o que eu aprendi no curso”, explica.
Aquecido, setor de bares e restaurantes precisa de profissionais qualificados
Segundo Soler, a escolha por oferecer capacitação em gastronomia se deve ao aumento na demanda por profissionais com essa especialidade e pela área trazer um leque de oportunidades de atuação, como empresas e indústrias dos setores de alimentos, bebidas, hospedagem, recreação e lazer.
Apesar do aumento no número de vagas, o setor ainda vive um grande gargalo para contratação devido a falta de mão de obra qualificada, segundo a Abrasel. Pesquisa desenvolvida pela Associação mostra que 89% dos empresários que atuam nessa área consideram difícil ou muito difícil contratar profissionais para atuar nos estabelecimentos.
“Precisamos unir o útil ao agradável. Se o mercado de trabalho carece de mais profissionais nessa área e, em contrapartida, as pessoas em situação de rua precisam de uma oportunidade de trabalho para se sentirem novamente incluídas na sociedade, nada mais justo que fazer essa conexão acontecer”, ressalta Soler.
Jornada passo a passo
A Jornada de Emancipação, realizada pela SP Invisível, conta com três passos: triagem e seleção de integrantes, curso de gastronomia com duração de dez semanas e inserção no mercado de trabalho.
Segundo a assistente social da SP Invisível, a triagem é feita nos centros de acolhida, também chamados de albergues, e segue critérios como o interessado ter uma vaga fixa no centro ou em hotel social, ter condições de seguir uma rotina mais organizada para poder frequentar o curso, além de demonstrar vontade de voltar ao mercado de trabalho e interesse pela cozinha.
Ao todo, 20 pessoas são selecionadas para iniciar a formação. Além da capacitação técnica, também são desenvolvidas habilidades de relacionamento interpessoal com atendimento de psicólogos voluntários e assistentes sociais.
Durante o processo de formação dos participantes, a ONG estabelece parcerias com restaurantes e empresas para inserção dos educandos no mercado de trabalho, sempre
levando em consideração o perfil do aluno e o requisito de cada vaga. Após a conquista do emprego, a equipe da SP Invisível acompanha a jornada dos estudantes por seis meses com o objetivo de garantir a permanência dos mesmos em seus novos cargos.
A assistência aos educandos se dá por meio de recursos como: grupo de partilha regido por psicólogas, nos quais cada participante conta como está sendo sua experiência; atendimentos psicossociais individuais realizados vez por semana; e relatório detalhado com o percurso, desempenho e desenvolvimento de cada aluno, bem como avaliação individual ao final do semestre.
Sobre a SP Invisível
Criada em 2014, a SP Invisível é uma organização da sociedade civil que trabalha para transformar a realidade da população de rua a partir das histórias de cada esquina de São Paulo. O cuidado está presente em nossos três pilares de atuação: conscientização sobre a realidade da população em situação de rua; assistencialismo para combater o frio e a fome; e assistência social para viabilizar a inclusão produtiva através da nossa iniciativa de capacitação e empregabilidade. “Nós ouvimos as pessoas em situação de rua, contamos suas histórias e promovemos autonomia para que novas realidades sejam possíveis”.