Misturando as histórias

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Guttemberg Guarabyra

O escritor mineiro Oswaldo França Júnior, autor do genial ‘Jorge, um brasileiro’, morreu quando seu carro despencou numa ribanceira, no trecho de rodovia que mais me mete medo

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Por sorte, quando comecei a dirigir já existia a fita cassete.

Muito antes, na década de 30, Paul Galvin lançava o primeiro rádio automotivo. Chamou de Motorola.

O nome veio na onda da vitrola, que começou no gramofone de Edson, aquele da lâmpada, passou pelas mãos de Graham Bell, aquele do telefone, e acabou dando no vinil, no cassete, no CD, no pen drive, por inúmeros aperfeiçoadores, e dará ainda sabe-se lá aonde.

O primeiro Motorola era apenas rádio, e a recepção, em faixas de ondas precárias, exigia que a sintonia fosse constantemente ajustada, o que deve ter distraído muitos motoristas e causado inúmeros acidentes.

Depois que a Blaupunkt lançou um rádio automotivo que captava FM, a coisa melhorou muito. A faixa de onda tinha um alcance menor, mas, para quem dirigia apenas na cidade, o problema de ouvir música com qualidade no trânsito estava resolvido.

Tudo para dizer que meus carros sempre tiveram uma reprodução de som de fazer inveja a qualquer músico estradeiro.

Nem pensem que essa qualidade se baseava na instalação de falantes estupidamente potentes que estúpidos utilizam para estourar os próprios tímpanos e estacionar o mais próximo possível de sua barraca na praia pequena do litoral para nos fazer lembrar a distância que ainda nos separa de um mundo verdadeiramente civilizado.

Importava a fidelidade, a pureza, o equilíbrio.

E, muito importante, a facilidade no manuseio do aparelho.

O escritor mineiro Oswaldo França Júnior, autor do genial ‘Jorge, um brasileiro’, morreu quando seu carro despencou numa ribanceira, no trecho de rodovia que mais me mete medo, entre Belo Horizonte e João Monlevade.

Ouvi dizer que a causa do desastre foi ter se distraído ao trocar uma fita cassete do aparelho de som.

Para evitar esse tipo de problema, eu próprio inventei estojos desdobráveis, confeccionados em couro macio e flexível, com compartimentos individuais para as fitas que eram afixados no teto do carro por meio de velcro. Cada compartimento tinha uma pequena parte da capa em plástico transparente, de modo que, com uma ligeira olhada, dava para identificar a fita que ali estava.

Rapidamente fazia a troca, retirando a que estava no aparelho e colocando-a rapidamente de volta no compartimento reservado a ela, e, após identificar com uma ligeira vista d’olhos a fita que queria ouvir, a retirava do suporte no teto e a introduzia rapidamente no aparelho, numa operação segura. Ainda trago comigo alguns desses estojos.

Por coincidência, e misturando todas as histórias, certa vez me hospedei num hotel em João Monlevade, vindo pela mesma estrada em que França Júnior se acidentou.

A garagem se situava no pátio em que havia instalações de serviço do hotel, de modo que me senti seguro ao deixar lá meu carro e, principalmente, meu precioso equipamento automotivo de som.

Pela manhã, em lugar do aparelho restava apenas um vazio com fiações estrebuchadas.

Apesar da proximidade com a área de serviço, ninguém havia notado nenhum movimento fora do normal, nenhuma pessoa estranha, nada.

Por uns tempos apelidei o episódio de João Mãolevaram. Depois, para não ser injusto com a cidade, que evidentemente nada tinha a ver com o episódio, deixei de lado o apelido, a frustração e até mesmo o  carro, visto que hoje viajo de carro alugado, o empresário é quem dirige, e o capricho na reprodução de músicas se transferiu para a qualidade dos fones de ouvido e do celular.

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Música do dia

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

 

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