A crise sanitária, econômica e social do país fez com que os brasileiros perdessem dois anos de expectativa de vida, interrompendo mais de 70 anos de crescimento contínuo
A expectativa de vida do brasileiro vinha aumentando continuamente nos últimos anos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam um momento histórico no país: de 1940 a 2019, a esperança de vida no País cresceu 31,1 anos.
Com a pandemia, porém, essa sequência foi interrompida. De acordo com um levantamento da equipe de pesquisadores orientados pela demógrafa Márcia Castro, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard, o brasileiro perdeu dois anos de expectativa de vida durante a crise da Covid-19.
Em 2020, a queda foi de 1,8 ano e ampliou em 9,1% a diferença na expectativa de vida entre homens e mulheres. Para pessoas do sexo masculino a redução foi em 1,57 ano, enquanto no sexo feminino a perda foi de 0,9 ano.
Essa regressão interrompeu o crescimento contínuo da expectativa de vida no Brasil, que vinha ganhando mais volume a cada ano, saindo de 45,5 anos, em 1945, para 76,6 anos, em 2019, segundo os dados do IBGE.
Entender o avanço ou retrocesso da expectativa de vida ajuda a medir como um país está progredindo na garantia da longevidade da população, além de mostrar a efetividade das políticas públicas de saúde e saneamento.
Crise econômica e expectativa de vida
Além do colapso do sistema de saúde em meio à pandemia, a situação econômica é um fator importante que afeta diretamente a expectativa de vida dos brasileiros.
O Brasil já soma, atualmente, mais de 14 milhões de desempregados. Com 14,7% da população ativa desocupada, a insegurança alimentar no País segue crescendo e prejudica o bem-estar e saúde das pessoas.
Nesse cenário, há múltiplos fatores que impactam negativamente na esperança de vida da população brasileira: a pandemia, o colapso do sistema de saúde e a falta de renda.
Se por um lado, a gravidade da doença é responsável por milhares de óbitos, por outro, a ausência de acesso a uma boa alimentação e a um padrão de vida com segurança sanitária também impacta na questão dos altos índices de mortalidade.
A trajetória da expectativa de vida no Brasil
A Tábua completa de mortalidade, divulgada pelo IBGE em 2019, apresenta um comparativo de dados com o ano de 1940. Os números revelam a trajetória da expectativa de vida no Brasil e o quanto esse índice evoluiu ao longo das décadas.
Em 2019, a expectativa de vida ao nascer era de 76,6 anos, 31,1 anos a mais do que o indicador aferido em 1940 (45,5 anos). Um dos dados que mais chamam a atenção nessa linha comparativa é o aumento do índice para pessoas com 50 anos de idade.
Se na década de 1940 uma pessoa nessa faixa etária tinha uma esperança de viver 19,1 anos, em 2019 esse número quase dobrou, partindo para 30,8 anos. Isso indica uma média de 80,8 anos, 11,8 a mais.
No que se refere aos sexos, o aumento desse índice foi maior entre as mulheres (31,8 anos) em relação aos homens (30,2 anos). Por outro lado, na faixa etária de 20 a 24 anos, o público masculino no Brasil, em 2019, tinha 4,6 vezes mais chances de morrer do que as mulheres com a mesma idade.
Segundo os dados do IBGE, é na faixa etária de 15 a 34 anos que há mais disparidade entre o público masculino e feminino. Umas das explicações desse fenômeno tem relação com a tendência de aumento de óbitos por causas não naturais, mais presente entre os homens.
Já em relação à faixa etária a partir dos 45 anos, a sobremortalidade masculina é inferior a 2,0. Curiosamente, em 1940, a discrepância em relação às mulheres não passava desse patamar em nenhuma idade.
No geral, a elevação da expectativa de vida no Brasil para ambos os sexos está associada a uma melhora na qualidade de vida, ao acesso mais facilitado dos sistemas de saúde, assim como ao avanço da ciência e aos processos de urbanização. Segundo o IBGE, quase 70% da população brasileira vivia em áreas rurais em 1940, em meio a condições sanitárias com maior nível de precariedade.
Com a emancipação das metrópoles, essa realidade mudou e as causas das mortes passaram a ser outras. Na década de 1980, por exemplo, os óbitos em decorrência de eventos não naturais (ou seja, homicídios, acidentes, suicídios e afogamentos) ganharam destaque negativo sobre a taxa de mortalidade, sobretudo entre homens jovens.
Mudanças demográficas
A população brasileira apresentou mudanças demográficas expressivas a partir da década de 1970. Foi nesse período em que se notou uma redução na natalidade, ou seja, as mulheres passaram a ter menos filhos.
Nos anos 1960, a taxa de natalidade era de 6,06 nascimentos por mulher, segundo dados do Banco Mundial. Já em meados de 1980 esse número caiu consideravelmente, chegando a 4,04 e baixando para 2,90 na década seguinte. O número mais atual é o de 2018, que apontava a taxa de 1,73 nascimentos por mulher.
A pandemia fez com que houvesse pela primeira vez na história do País mais mortes do que nascimentos. Somente na Região Sudeste foram registrados 5.017 óbitos a mais que nascimentos no mês de abril deste ano, conforme aponta a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).
Para efeitos de comparação, o mesmo mês em 2020 registrou 37.075 nascimentos a mais em relação à quantidade de mortes.
Como ficará a situação em 2021?
Mesmo com o início da vacinação no começo de 2021, as estimativas para os próximos anos não são otimistas. Até o momento, o Brasil registra mais de meio milhão de mortos por Covid-19 e os efeitos da pandemia ainda assustam a população.
Essa preocupação se refletiu no aumento de 26% na procura por seguro de vida em 2020, durante a crise do coronavírus, segundo dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi).
Vale ressaltar que o levantamento de mortes durante a pandemia leva em consideração apenas os casos de Covid-19. Contudo, a falta de leitos de UTI e de insumos também pode levar à morte de pessoas que não contraíram a doença.