José Luiz Alquéres*
Na proposta de reforma tributária endossada pelo Governo e enviada ao Congresso consta uma nova taxação. Contribuição sobre Bens e Serviços, que se pretende venha incidir sobre a indústria do livro e dos e-books. A CBL, Câmara Brasileira do Livro, dentre outras entidades, já se manifestou contra este acréscimo de custo na cadeia produtiva do livro, de impacto mínimo na receita federal, porém de consequências danosas para a cultura.
Essa ideia é extremamente inoportuna. Mesmo proporcionalmente à baixa renda média da nossa população e a extrema concentração de renda, somos um dos países que menos lê. O livro, por outro lado, continua sendo o mais eficaz caminho para mover uma população da falta de cultura e da ignorância para os saberes mais variados que o futuro nos demandará. Assim, são essenciais e merecem, isso sim, mais facilidade de acesso tanto os livros técnicos e escolares, como os romances e obras de literatura em geral, com sua riqueza de situações, tramas e tipos humanos que tanto estimulam a imaginação e a criatividade.
Um dos desafios pós-covid será a necessidade de uma reciclagem quase total das competências de várias profissões existentes e o surgimento de novas profissões e de novas técnicas. Tais conhecimentos chegarão às pessoas por meio de livros ou apresentações à distância (de algo que foi texto escrito ou impresso em algum momento).
Um curso de mestrado em Harvard demanda, além de comparecimento em aulas, cerca de 100 páginas impressas de estudo por dia. É razoável supor que em qualquer curso de ponta se dê algo semelhante. Parece impraticável que tal carga de leitura ocorra somente por meio de monitores de computadores, notebooks e assemelhados.
Estaremos sendo injustos do ponto de vista tributário? Alguém pode julgar que uns leem mais e outros menos, e quem lê mais tem mais dinheiro. Por isso, ao não tributar o livro, estaríamos concorrendo para agravar o problema da má distribuição de renda. Na verdade, teremos o contrário: quanto mais um povo ler, mais culto será. Da mesma forma, menor tenderá ser a concentração de renda, porque conhecimento é também poder, saber e dinheiro.
Nossa população é predominantemente de pobres e remediados. Embora a taxa não vá pesar na “meia dúzia” de ricos que leem, ela vai impactar fortemente os milhões de pobres que poderiam ler mais e disto ficarão privados.
Dificultar o acesso ao aprendizado e ao conhecimento só agrava a injustiça social e impedirá o aumento do capital humano. Este se mede a partir da idade média da população, dos seus anos de escolaridade e de sua expectativa de vida. Quantos mais anos de escolaridade, mais se lê. Agrava a iminente situação pós-covid na qual tudo indica que haverá no mercado de trabalho a necessidade de uma “segunda competência”, agora na área digital. O grau maior de sofisticação no treinamento do pessoal para as novas profissões e para os novos mercados será traduzido na maior necessidade de leitura.
Por fim, não podemos nos furtar a comentar que as iniciativas governamentais recentes no campo da educação e cultura têm sido desastrosas. Reconhecendo o fato, o governo fez uma série de alterações em nomes e cargos, ainda não atingindo o que dele se poderia esperar em termos de qualidade. Enquanto apregoa as qualidades do seu ministro da Economia PhD pela universidade de Chicago, o governo esbanja nomeações de gente pouco qualificada para as áreas de Educação e Cultura.
Os nossos índices de aprendizado evoluem lentamente e o impasse entre as posições de professores, governo e rede escolar privada parecem se agravar. Há uma grande falta de liderança na área neste momento em que a Educação é a esperança de um futuro melhor para todos. O livro é ainda o mais barato instrumento para modificar este estado de coisas. Que não sejam agravados os problemas que já fazem padecer a sua indústria. O preço a pagar será mais uma punhalada no nosso desenvolvimento social.
* José Luiz Alquéres é editor e conselheiro da Câmara Brasileira do Livro