Comemoração saiu pela culatra

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Chico Buarque (3º lugar), Guarabyra (1º lugar), Milton Nascimento (2º lugar). Festival Internacional da Canção, 1967.

Dada a sugestão, Boni me pediu licença. Foi ao banheiro. Ao voltar, desculpou-se e revelou um segredo íntimo.

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Quando saí da TV Tupi do Rio, fui contratado para trabalhar na Globo integrando a organização do mesmo Festival Internacional da Canção, cuja fase nacional havia vencido e me classificado em terceiro lugar na fase internacional dois anos antes. Assumi o posto de assistente do diretor artístico, que era exercido pelo saudoso e simpaticíssimo Paulo Tapajós, pai.

Quando Paulo pediu demissão, assumi interinamente o cargo.

A seguir fui oficializado nele e dessa forma assumi a direção artística do FIC.

O FIC era considerado na época o maior festival do gênero no planeta. Concorriam em média 30 países, e exigia um preparo de meses. O núcleo central da direção funcionava o ano inteiro. Porém, quanto mais se acercava a época das apresentações, as contratações iam crescendo.

Só a necessidade de, no auge da temporada, ter sempre de plantão no aeroporto recepcionistas para atender as delegações estrangeiras oriundas dos mais diversos fusos horários, e se expressando em idiomas que iam do persa ao búlgaro, dá pra imaginar o tamanho da encrenca.

Jamais falhávamos.

Numa das várias reuniões que mantive na Globo com Boni, sobre como tornar as noites de espetáculo em transmissões dignas do evento, sugeri que naquele ano deveríamos estabelecer um júri popular, além do júri oficial. Os jurados populares seriam selecionados antes do início dos espetáculos num sorteio pelo número impresso nos ingressos dos 30 mil espectadores que compareciam anualmente ao Maracanãzinho para assistir o festival.

Esses jurados, além de imediatamente ocuparem a mesa de julgamento ao lado do júri oficial, composto de grandes estrelas da crítica e do cenário musical brasileiro e mundial, teriam quartos reservados nos mesmos hotéis em que se hospedavam os artistas.

Dada a sugestão, Boni me pediu licença. Foi ao banheiro.

Ao voltar, desculpou-se e revelou um segredo íntimo. A cada vez que ouvia uma ideia fantástica como aquela, acometia-lhe uma dor de barriga.

Tudo naquele ano transcorria perfeito, menos a pressão cada vez mais severa que a ditadura militar exercia sobre as obras dos compositores brasileiros.

A gota que transbordou o copo aconteceu quando a polícia política exigiu que todos os músicos e compositores participantes fossem devidamente fichados. Só poderiam participar do evento os artistas que apresentassem a carteira de identificação produzida a partir do fichamento.

Muito a contragosto, reuni compositores consagrados da época, entre eles Paulinho da Viola, Edu Lobo, Egberto Gismonti, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Tom Jobim, Marcos e Paulo Sérgio Valle, e resolvi liderar um movimento que pusesse fim ao festival, pois que, além dos descalabros da polícia, ainda descobrimos que o FIC estava sendo usado, sem a anuência de seus participantes, como propaganda do regime militar no exterior.

( Os detalhes dessa história podem ser encontrados aqui no ABCD Real.

https://abcdreal.provisorio.ws/zuza-guarabyra-globo-e-os-subterraneos-da-ditadura-nos-festivais/ )

No livro autobiográfico escrito por Boni, fiquei surpreso ao ver que se referiu à minha contratação como uma maneira de “neutralizar os esquerdistas mais radicais”.

Seria curioso descobrir se Boni, quando teve a ideia de me contratar, também a festejou como fantástica tanto quanto aquela de criar o júri popular. E de modo igual tenha sido acometido pelo mesmo sintoma fisiológico.

E mais tarde, arrependido, tenha considerado que a comemoração acabou saindo, ironicamente, pela culatra.

A ‘Música do dia’ hoje é História.

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

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