“Calote nos precatórios é desumano, inconstitucional e imoral”, afirma o Dr. Fernando Romera Stábile, da OAB de Santo André

In Canto do Joca On
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Dr. Fernando Romera Stábile, presidente da Comissão de Precatórios da OAB - Santo André

Presidente da Comissão de Precatórios da OAB – Santo André, advogado com larga experiência, formado em Direito no Mackenzie e Relações Internacionais na PUC-SP, especialista em Direito Processual Civil Brasileiro pela PUC-SP e diplomado pela Sorbonne, em Paris, em direito Francês e Europeu, o Dr. Fernando Romera Stábile afirmou ao ABCD REAL que “qualquer prefeito ou Consórcio que defenda a prorrogação de prazo para quitação dos precatórios está embarcando em um projeto absolutamente desumano, inconstitucional e imoral, que institucionaliza o Estado caloteiro sem compromisso com o cidadão. Para Santo André, significa que o problema seria arrastado para outra gestão e, certamente, muito mais credores iriam morrer sem receber seus direitos”.

A frase contundente foi em reposta ao questionamento sobre o Consórcio do ABCD (leia-se os prefeitos) e a FNP pressionarem o Congresso a aprovar PEC para não pagar precatórios neste ano e adiar para 2028 e o que isso representa especificamente em Santo André.

Ao responder, Dr. Fernando Stábile explicou: “Existe em andamento na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 95/19) de autoria do Senador José Serra (PSDB/SP) que prorroga os pagamentos para 2028. Atualmente, a data limite é o fim do ano de 2024.” O advogado alertou que ainda existe discussão sobre “se os precatórios alimentares seriam incluídos ou não”.

Continuidade

Dr. Fernando Stábile assumiu o escritório que por décadas teve o comando de seu pai, o renomado e respeitado Dr. Pedro Stábile Neto, falecido em 26 de julho deste ano. Sobre essa nova fase, disse: “Há mais de 15 anos sou sócio do escritório Stábile Neto Advogados Associados, juntamente com meu falecido pai, Pedro Stábile Neto, e agora com a triste ausência dele, assumo a integralidade dos trabalhos para dar continuidade a um legado profissional e moral com importantes causas judiciais que envolvem particulares e o Poder Público e mais de 3.000 clientes.”

Entrevista na íntegra:

ABCD REAL – O Consórcio do ABCD (leia-se os prefeitos) e a FNP pressionam o Congresso a aprovar PECs para não pagar precatórios neste ano e adiar para 2028. O que isso representa especificamente em Santo André?

DR. FERNANDO STÁBILE: Existe em andamento na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 95/19) de autoria do Senador José Serra (PSDB/SP) que prorroga os pagamentos para 2028. Atualmente, a data limite é o fim do ano de 2024. Embora exista discussão se os precatórios alimentares seriam incluídos ou não, qualquer prefeito ou Consórcio que defenda a prorrogação de prazo para quitação dos precatórios está embarcando em um projeto absolutamente desumano, inconstitucional e imoral, que institucionaliza o Estado caloteiro sem compromisso com o cidadão. Para Santo André, significa que o problema seria arrastado para outra gestão e, certamente, muito mais credores iriam morrer sem receber seus direitos.

ABCD REAL – Os pagamentos estavam suspensos até setembro. Devem ser retomados agora em outubro?

DR. FERNANDO STÁBILE – Em abril deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo permitiu que o Estado e Municípios suspendessem temporariamente o pagamento dos precatórios até setembro, justificando que os devedores estariam enfrentando dificuldades em razão da pandemia. Ocorre que os credores de precatórios, principalmente alimentares, também vêm sofrendo com a pandemia e, mais do que nunca, precisam destes recursos para passar por esta difícil fase. A OAB de Santo André e sua Comissão de Precatórios, atentas a este fato, em defesa do cidadão e da Constituição Federal, apoiaram e subsidiaram a OAB-SP que acionou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e denunciou a ilegalidade de tentar suspender os compromissos judiciais dos Municípios com seus munícipes e credores. O CNJ foi sensível ao pedido da OAB e determinou que qualquer pagamento que tivesse sido suspenso durante a pandemia fosse integralmente reposto a partir de setembro até o final deste ano de 2020. Como estamos no meio deste processo de reposição dos pagamentos suspensos, ainda é cedo para falar, mas a OAB está fiscalizando e tenho certeza de que não deixará os Municípios devedores descumprirem a ordem do CNJ.

 ABCD REAL –  Quantas famílias serão atingidas em seu direito alimentar?

DR. FERNANDO STÁBILE – Em Santo André, estimamos que haja, no mínimo, 9.000 credores alimentares aguardando na fila de pagamento dos precatórios.

“Se uma pessoa já perde sua dignidade em ter que resistir por décadas para receber seu direito, o que falar quando ela e seu próprio advogado não resistem ao tempo?”

ABCD REAL –  Quantos já morreram sem ver respeitados o seu direitos?

DR. FERNANDO STÁBILE – Cerca de 30% dos credores já faleceram. Embora o crédito do precatório seja transmitido aos herdeiros, cerca de 2.700 pessoas não viram seus direitos serem realizados. Todo mês somos comunicados sobre o triste falecimento de credores, e aqui tomo a liberdade de destacar, no último ano, a morte do advogado Dr. Pedro Stábile Neto e da Dra. Márcia Vezzá de Queirós, ambos advogados engajadíssimos na causa dos precatórios desde a década de 90, mas que não resistiram ao tempo e ao calote do Município. Deixo aqui uma reflexão: O Estado é perene, mas os clientes e seus advogados neste mundo não o são. Se uma pessoa já perde sua dignidade em ter que resistir por décadas para receber seu direito, o que falar quando ela e seu próprio advogado não resistem ao tempo? Prefeitos e gestores públicos chegam e vão embora, porém, os credores e seus advogados permanecem na fila aguardando seus direitos até o dia em que morrem. Essa irresponsável mentalidade de prorrogação de prazo para pagamento de precatório por décadas tem que mudar urgente!

ABCD REAL –  Qual o total da dívida que a Prefeitura de Santo André tem hoje com os precatorianos?

DR. FERNANDO STÁBILE – Segundo informações do Tribunal de Justiça de São Paulo, a dívida de Santo André em precatórios até setembro de 2020 estava em cerca de R$ 1,5 bilhão. Neste ano de 2020, o Município vem depositando uma média de R$ 3 milhões por mês. A continuar nesse ritmo de pagamentos, os débitos atuais só seriam integralmente quitados no ano de 2040. Ou seja, diversos prefeitos e gestores públicos irão passar pelo Município e muitos dos credores que não morrerem, estarão em idade avançadíssima. Lamentável!

ABCD REAL – Quem são esses precatorianos? Dá para traçar um rápido perfil? São os chamados “marajás” do funcionalismo, ou são servidores pobres, sem recursos, que dependem desses valores para os últimos dias de vida?

DR. FERNANDO STÁBILE – Existem todos os tipos de pessoas que são credoras de precatórios, como é a própria sociedade brasileira, ou seja, há indivíduos abastados que não sentem falta do pagamento até aquelas que, ao receberem, realmente mudam de vida. No entanto, isso depende muito da situação de cada credor e do valor que tem a receber. O que posso afirmar é que para a grande maioria dos credores alimentares de Santo André, o recebimento de seus precatórios significa um importante impacto na vida pessoal e familiar, sendo que este recurso traz mais conforto e dignidade a este credor e seus queridos.

“se o próprio Estado que existe para me proteger, viola meu direito e se nega a cumprir, quem irá me proteger?”

 Além disso, independentemente de quem seja o credor, é importante frisar o lado do Estado de Direito, que é o dever que o Poder Público tem de honrar seus compromissos com o cidadão. O precatório é uma ordem judicial, fruto de um longo processo nos Tribunais com a condenação do Estado ao pagamento de uma quantia. Se essa ordem não é respeitada, estamos diante de um quadro de total caos e insegurança jurídica e o cidadão começa  a se questionar: se o próprio Estado que existe para me proteger, viola meu direito e se nega a cumprir, quem irá me proteger? Se o Estado não respeita as ordens judiciais, por qual razão eu deveria respeitar? Se o Estado não paga suas dívidas comigo, por qual razão eu deveria pagar minhas dívidas com ele?

ABCD REAL – Qual a média de idade desses credores?

DR. FERNANDO STÁBILE – Como não há um perfil exato dos credores, é difícil identificar uma média de idade. No entanto, podemos dizer com certa precisão que mais de 3.000 credores são idosos com mais de 60 anos ou são portadores de doenças graves e, embora já tenham recebido parte de seu valores pela preferência, ainda aguardam na fila pela totalidade do pagamento.

ABCD REAL – Há 14 anos, o Dr. Pedro Stábile e o senhor denunciaram à OEA o crime contra os Direitos Humanos. O que isso representou e ainda representa?

Dr. FERNANDO STÁBILE – O atraso no pagamento dos precatórios de Santo André é desumano e os credores, idosos, portadores de graves doenças e falecendo, passaram a ser verdadeiras vítimas das violações de direitos humanos por parte do Município e do estado brasileiro. No ano de 2006, o Dr. Pedro e eu levamos uma denúncia do caso dos precatórios de Santo André à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, em Washington, D.C. A Comissão concluiu que “não existem na legislação brasileira recursos judiciais efetivos e adequados para assegurar o pagamento dos precatórios devidos pelo Estado”. O CNJ incluiu a questão de Santo André no programa Justiça Plena para acompanhamento do caso e a denúncia ainda está em aberto na Comissão Interamericana até que tudo seja quitado, o que envergonha o Município de Santo André e o Brasil.

ABCD REAL – O precatório tem solução?

DR. FERNANDO STÁBILE – Sim, tem solução. A primeira medida é a mudança de mentalidade que os gestores públicos precisam ter para acabar com essa cultura do calote, da eternização de brigas judiciais e postergação da dívida para os próximos prefeitos. Para o pagamento, hoje, a Constituição Federal permite o financiamento das dívidas pela União ou, eventualmente, por instituições financeiras. Os municípios podem trocar uma dívida mais cara (precatório) por uma dívida mais barata (financiamento). Isso permitiria aos devedores cumprir suas obrigações com o cidadão em prazo razoável e ao mesmo tempo diminuir o valor da dívida e alongar o prazo para pagamento de seus financiadores. Para isso ocorrer, como disse, depende principalmente da vontade política e senso de responsabilidade de nossos governantes.

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