Por Guttemberg Guarabyra*
— Alô… Você não atende mesmo, não é? Olha, está fazendo quatro anos que a gente se viu pela última vez. Estou sempre pensando em como tudo ficou. Meu amor ainda está aqui. E o seu? Você pensa que é fácil continuar amando alguém que a gente nem sabe se vai encontrar de novo? É fácil amar. Difícil é ter que deixar de amar sem que o amor tenha acabado. É muito mais fácil um dia acordar e pensar: “Puxa, como essa relação está chata!”, e aí vai desamando. Muito diferente é ser mandado embora e ficar amando sem ter a quê. Estava chovendo, o que deixou as coisas muito piores. O tempo debaixo da chuva escorre devagar, estica a angústia.
As luzes dos carros… E, ainda por cima, aconteceu à noite. Era muita sombra de uma só vez. Lembro que peguei o caminho de volta, fiz de tudo para não chorar. Mas as lágrimas foram caindo e se misturando com a água da chuva em meu rosto como nos filmes românicos. Tinha aquela casa na esquina onde a gente sempre ficava apreciando o jardim. “Como é bem cuidado!” Lembra que você dizia isso? Passei em frente e quis ver se ainda estava lá aquela flor azul. Estava.
No escuro não se via tanto a cor. Mas continuava bonita, tomando uma chuvinha, alegre como quê. E eu ali, cabisbaixo, chorando. Fiquei com raiva da flor. Achei que era você zombando de mim. Estava bem à mão, estava escuro, eu pensei em arrancá-la numa espécie de vingança. Porém jamais faria isso.
Daí fingi por uns tempos que era você quem estava ali na esquina em forma de flor, e que, por isso, eu não a tinha perdido. Até que viajei e dias depois, quando voltei, a flor não estava mais lá. Fui direto naquele retrato que a gente tirou dela com o celular. Levei na florista. Ela viu a imagem e disse a flor que era. Não tinha naquele momento. Dias depois ligou para dizer que havia chegado. Desde então tenho comprado sempre aquela mesma flor azul e dado pra Aline colocar num vaso bonito que comprei só pra ela.
Ah, Aline continua trabalhando aqui em casa. Cada vez mais atrapalhada, mas, porém, contudo, entretanto, no entanto, continua com aquela simpatia de sempre. Então a gente vai se aturando. Eu perdoo as erradas dela, ela perdoa as minhas e principalmente releva meus dias de mau humor. A gente tem umas crises, mas depois toma um cafezinho, prova um chocolate, bate um papinho e acaba esquecendo as desavenças.
Então, como ia dizendo, a cada dia que vivo você está aqui em forma de flor. Me diz uma coisa. Seu tempo de recado telefônico nunca acaba ou você está aí, parada, sem dizer nada, ouvindo o telefone? Se estiver aí, fala comigo, vai. Chama pra um café. Melhor ainda, vamos tomar um vinho… Puxa, até Aline perdoa!
Música do dia
- Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Francisco, Interior da Bahia, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro, cronista de ABCD REAL, publica, às segundas e sextas-feiras crônicas de seu livro “Teatro dos Esquecidos” e outras.
- O livro pode ser adquirido pelo https://editorathoth.com.br/produto/teatro-dos-esquecidos/106
- Esta crônica, por exemplo, “Até Aline Perdoa”, está nas páginas 65 e 66 dessa publicação imperdível, do mesmo nome.
- Entre os maiores sucessos de Guarabyra como compositor e cantor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra Vez na Estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá), “Espanhola” (com Fávio Venturini), “Dona” e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas publicadas na grande imprensa, entre elas, em conclusão, o Diário Popular.