A DANÇA DOS LUMUMBAS

In ABCD, Artigo On

Guttemberg Guarabyra

Ao sol do dia seguinte certamente o cenário seria diverso, com tantas estrelas prontas a exibir corpos nem sempre perfeitos a fotógrafos e repórteres ávidos por fotos e fofocas dos mais famosos.

O Hotel Marambaia ainda existe.

Imagino o esforço para se destacar hoje, ladeado pelas soberbas torres de setenta pisos ou mais de nossa Dubai tupiniquim, Camboriú. Mas ainda está lá firme e forte.

Hospedou, no final da década de 60, a trupe excêntrica do Festival de Cinema a que compareci como convidado especial.

Tudo era festa.

Mal chegamos, tivemos tempo apenas para jogar a bagagem nos quartos e descer a rampa circular do hotel, que é redondo feito uma metade de rolha com quatro andares enterrada na praia, para presenciarmos a primeira cerimônia cujo motivo nem lembro mais qual era.

Findas estas primeiras formalidades, como já era noite, emendamos com um jantar coletivo, e finalmente nos recolhemos para descansar.

Só então reparei na garrafa em cima do frigobar.

Um legítimo Old Lunquar, ou nome parecido. Não lembro exatamente como se chamava porque sempre tratei o uísque pelo apelido, Lumumba, com que meu amigo poeta João Medeiros Filho o havia mimoseado em duvidosa homenagem a Patrice Lumumba, poeta e líder político, herói da luta pela independência do Congo, cuja poesia João recitava porre sim porre não.

Para o bem do amigo, ele brindava ao líder congolês com uísque diferente, posto que aquele não passava de ressaca engarrafada. Daí ter dito que a homenagem era duvidosa.

Da janela do quarto, apreciava-se, três andares abaixo, a piscina cristalina, águas transparentes iluminadas por plácido azul celeste.

Reinava um silêncio absoluto. Ao sol do dia seguinte certamente o cenário seria diverso, com tantas estrelas prontas a exibir corpos nem sempre perfeitos a fotógrafos e repórteres ávidos por fotos e fofocas dos mais famosos.

O cenário convidava ao mergulho. Na impossibilidade de atender ao convite naquele momento, elegi Lumumba para testar as águas tranquilas.

Da janela do terceiro andar lancei a garrafa de uísque em direção à piscina.

A entrada na água não foi digna de um mergulho olímpico de salto ornamental. Espirrou excessivamente, criou muitas ondas, mas submergiu lentamente e pousou sobre os ladrilhos do piso com classe e delicadeza.

Por uns momentos quedei-me a contemplar a garrafa movendo-se levemente num balé suave. E fui dormir.

Antes do amanhecer, numa pausa do sono, cheguei à janela para espiar o uísque valsante.

Não estava mais sozinho. A alma de artista dos demais hóspedes, ao observar o bailado no fundo da piscina, os havia inspirado a contribuir com o espetáculo, e dezenas de garrafas formavam agora numeroso corpo de balé valsando sob os holofotes azuis do palco aquático.

No balanço final, um prejuízo. Do festival não assisti a nenhum filme, tantas as solenidades paralelas.

Mas a dança dos lumumbas foi puro lucro. Evitou dezenas de ressacas.

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