Joaquim Alessi
Impossível esquecer cada mínimo detalhe daquele fatídico 1º de maio de 1994, mesmo decorridos 30 anos.
Era, em primeiro lugar, meu plantão no comando da Redação do Rei das Bancas, o bom e velho Diário Popular.
Revezávamos aos finais de semana: em um, ficava o diretor de Redação, Jorge de Miranda Jordão; em outro, o editor-chefe, Luiz Antonio de Paula; depois, este jornalista que vos escreve, editor-executivo.
Tudo conspirava para mais um domingo de forte emoções: F-1 com Senna em Ímola, na Itália, Choque-Rei com ares de decisão, mas jamais se esperava uma tragédia!
Mas, como repetia insistentemente Mestre Miranda Jordão, “há sempre muitos aviões no ar…”
Tristeza para o São Paulo? Sim. Vencia por 2 x 1 o clássico do Paulistão e sofreu a virada por 3 a 2 após Luxemburgo colocar Maurílio e ser chamado de burro pela turma do amendoim.
Maurílio empatou o jogo e sofreu a falta que permitiu a Evair decidir a partida em cobrança magistral, de curva.
Nessa hora, porém, poucos se importavam com o clássico.
Todos os corações mentes voltavam-se para outra curva, na Itália, onde Ayrton Senna tinha tido um choque violento e depois morrera.
Tensão logo cedo
Na verdade, a tensão começara bem mais cedo. O choque já nos impossibilitaria de curtir o magnífico “Tema de Vitória”, de Eduardo Souto Neto.
Mas, a morte ainda não havia sido confirmada.
Fomos, eu, Rosana e Rudá, almoçar no Windhuk, restaurante alemão de Moema que prepara uma truta inigualável.
Ainda não tínhamos celular, e o jeito era ficar perguntando ao garçom sobre as notícias que chegavam sobre Senna pela tevê.
Quando ele veio e disse ter sido confirmada a morte, não tive alternativa: levei Rosana e Rudá para casa e segui para a Redação, a fim de preparar a edição especial.
Caderno de 16 páginas
Como a melhor equipe esportiva da imprensa nacional à época, não foi complicado decidir pela produção de um caderno de 16 páginas em formato standart (grande).
Miranda descansava em sua casa em Teresópolis, Rio, e me ligou, perguntando o que eu faria.
Falei do caderno especial de 16 páginas, e ele perguntou se não era loucura produzir tudo aquilo em poucas horas.
“Deixa comigo”, respondi, mas na verdade queria dizer: “Deixa com esse timaço de jornalistas, com o editor-executivo de Esportes, Arnaldo Branco; os subeditores Nelson Nunes e Carlos Alencar e mais inúmeros repórteres de categoria, a exemplo de Maurício Noriega, Luiz Ademar, Gilvan Ribeiro…e tantas outras feras que fica impossível citar todos (me perdoem)”.
E a manchete?
Essa é uma história à parte. Qual o diferencial para a manchete fugir do lugar comum, do óbvio, e ser impactante.
O presidente da Holding (empresa que cuidava de todas as empresas de comunicação do grupo), Ricardo Sabóia, me liga do Nordeste com uma sugestão.
“Imolado em Ímola”… de pronto descartada, com toda educação e respeito à hierarquia.
Quebrava a cabeça, lendo a relendo o material que me chegava às mãos, quando Miranda, o maior gênio do Jornalismo, liga.
“Tens a manchete?” – indagou.
– “Ainda não”, respondi, reticente.
E o Mirandão, sem cerimônia, ensinou.
“Bota aí, em quatro colunas, no maior corpo (tamanho de letra) que puder, em duas linhas, uma palavra sobre a outra, tudo caixa alta (letras maiúsculas): SENNA MORTO
Parece a manchete óbvia, mas contém inúmeros significados.
Naquele momento, como nos dias que se seguiram e até hoje alguns debate, se discutia se Senna havia de fato sofrido um acidente, ou se fora vítima de um acidente planejado.
E o SENNA MORTO contemplava todas as possibilidades.
SENNA MORTO porque, de fato, ele perdera a vida.
Ou SENNA MORTO, com a conjugação irregular do verbo anômalo ser – a palavra “foi” – oculta, porque desnecessária para o entendimento do texto.
Aliás, Miranda também ensinou a evitar ao máximo o uso do “é” no meio da mancheta. Enfeia, pesa, polui o título.
“Sujeito é assassinado”, jamais. “Sujeito assassinado”, sem verbo. Direto, curto e grosso.
Tudo isso, portanto, para falar da manchete que eu jamais gostaria de ter publicado.
E para lembrar, em conclusão, que o jornalista jamais deve brigar com a notícia, como ensinou outro Mestre, Josemar Gimenez, comandante dos Diários Associados e sucessor de Miranda no Diário Popular, que depois eu sucedi, por generosidade e bondade dele.