Por Renan Cola*
Os números não mentem. 23,8% das pessoas têm desejos masoquistas. Pelo menos é o que diz um recente estudo divulgado na revista de caráter científico The Journal of Sex Research. Nele, 1.040 indivíduos, entre 18 e 64 anos, foram entrevistados por uma equipe de especialistas em comportamento humano da Université du Québec à Trois-Rivières, localizada no Canadá.
Assinalando as suas respostas em uma escala numérica compreendida entre 1 e 5, onde o primeiro número correspondia à menor excitação e o último à maior, os interrogados foram estimulados por uma sequência de 10 imagens de caráter sexual, devendo apontar, da forma mais espontânea possível, o quanto a cena apresentada mexia com os seus anseios libidinais.
O resultado? Não poderia ser diferente. A fotografia em que havia uma pessoa seminua acorrentada, sendo torturada lascivamente por um algoz atraente e sorridente, foi uma das preferidas, sendo escolhida por quase ¼ dos pesquisados como a mais voluptuosa de todas. Entretanto, o leitor que está aqui presente quer saber: que diabos acontece no masoquismo?
De acordo com a psicologia profunda, ciência que estuda os fenômenos ocultos do aparelho psíquico, o masoquismo nada mais é do que o prazer que existe no desprazer. Neste sentido, quando o cidadão de bem sofre algum tipo de malogro em sua vida, existe uma parte sua, guardada lá no fundo do inconsciente, que vibra fervorosamente, enchendo-o de satisfação.
Este pedaço um dia já foi sádico por natureza, mas, por algum motivo de ordem psicológica, precisou reverter o alvo da sua maleficência, voltando-o contra si. Difícil de entender? A lógica do aparelho psíquico funciona mais ou menos assim: a criança, pequena, sente muita raiva da mãe quando não tem o que quer. Se a genitora a deixa sozinha por muito tempo, ela chora.
Caso a moça do cabelo grande esteja cansada e precise repor as energias após um longo dia de trabalho, o bebê vai lá e faz, de propósito, as suas necessidades na fralda. E quando o leite desta senhora seca? Muitos nem pensam duas vezes, dando uma dentada afiada na ponta de seu seio, deixando-o não só dolorido, mas também marcado pela força do sadismo infantil.
Assim, diante da culpa de querer ou já ter causado sofrimento àquela que deu à luz, muitos preferem morder o próprio lábio, fantasiando que, deste modo, estão mordendo um substituto livre de remorso para o peito materno. É aí que se instaura o masoquismo primitivo. Ou seja, sentir prazer com o sofrimento é equivalente à intenção invertida de machucar a mãe.
Em outras palavras, é como se o indivíduo masoquista repetisse o tempo todo, em sua mente, a seguinte sentença linguística repleta de crueldade e consecutivo devaneio: “o que eu queria mesmo era acabar com a raça desta madame que me pariu, mas, como não dá, porque não sou criminoso, muito menos assassino, dou cabo em mim mesmo e pronto. Dá no mesmo!”.
Percebe o tamanho da perversão? Com ela em mente, fica fácil perceber, por exemplo, por que a vida de muitos cidadãos não vai para a frente. Sabe aquela pessoa que tem dedo podre para escolher a outra metade da laranja? Será que ela, de fato, quer um companheiro? Ou não está apenas procurando um lixo qualquer para arruinar sua vida e enchê-la de prazer?
O mesmo se aplica às investidas profissionais de alguns. Existem pessoas que fizeram as pazes com a mãe interna e sublimaram as suas tendências sadomasoquistas. Já outros, deslocam o complexo materno aos cacos para o trabalho. A consequência? Tem sempre um chefe que os persegue, tem sempre um colega que quer derrubá-los, tem sempre um cliente que é abusivo.
E o que dizer da relação com a família? Para o masoquista, em vez de se aterem às coisas boas que os seus familiares possuem, eles estão sempre sofrendo. Seja porque a sua mãe não deu o amor que ele gostaria, seja porque o pai trabalhou demais e não esteve nem aí. Deste modo, em vez de verem o copo meio cheio, é melhor vê-lo meio vazio e, assim, gozar com a sede.
Por fim, reside no masoquista uma dor que precisa ser escutada e acolhida. Então, em vez de julgá-lo, talvez entender que atormentar-se foi o único caminho que ele encontrou para aliviar a agonia de ter tido em sua vida uma figura feminina que, simplesmente, foi muito, seja um dos caminhos mais sutis. E enquanto isso, ele continua caminhando, tentando um dia ser feliz.
*Renan Cola é psicanalista
Sobre o autor:
Formado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), em Marketing e Gestão Comercial pela Universidade Vila Velha (UVV) e em Psicanálise pelo Instituto Brasileiro de Ciências e Psicanálise (IBCP Psicanálise), o psicanalista possui 15 anos de experiência utilizando a psicologia profunda aplicada à área de comunicação e marketing, ajudando a construir narrativas fortes de marca para empresas de todo o Brasil, dos pequenos aos grandes negócios. Ao longo da carreira, escreveu artigos para veículos comunicacionais de ampla abrangência, como: Psique, Mistérios da Mente, Estado de Minas, O Tempo, Diário do Nordeste, Novo Varejo e Administradores.