NA GRAMA DO ATERRO SOB O SOL

In ABCD, Artigo On
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Guttemberg Guarabyra

Cheguei por volta das quatro da manhã e imediatamente tratei de dormir. A porta do quarto, deixada sempre aberta, não dormia. Naquela manhã, foi um erro.

Morar no Solar da Fossa, no Rio — pensão que nos anos 60 abrigou num só turbilhão uma seleção de compositores, poetas, músicos, dramaturgos, atores, cineastas ainda inéditos, mas que dominariam a mídia cultural anos seguintes —, era ter um dia a dia imprevisível.

Cheguei por volta das quatro da manhã e imediatamente tratei de dormir. A porta do quarto, deixada sempre aberta, não dormia. Naquela manhã, foi um erro.

Acordei com um mui amigo espancando-me com uma toalha de banho, exigindo que acordasse. Precisava de mim. Para fazer parte do coral da trilha que havia composto para um longa-metragem.

Não acreditei. O estúdio ficava a léguas de distância, o sol-fornalha do Rio de Janeiro derretia o asfalto, e lá fomos nós espremidos no fusca do cineasta. Eu, o compositor e a amiga que também emprestaria a voz à trilha e o tempo à aventura.

Sem disposição para conversa, encostei a cabeça no vidro da janela do banco traseiro e tentei tirar um cochilo. O balanço do fusca, as curvas, o barulho do trânsito, o calor, não permitiram o descanso.

Com a mente turva, decorei com imenso sacrifício e concentração as melodias. As letras na estante tremiam desfocadas diante de meus olhos.

Finda a sessão de tortura e canto, vibrei quando fomos liberados e metidos novamente no fusquinha. Sonhava com minha adorada caminha.

O fusca, porém, não cooperou como deveria. Parou em pleno Aterro do Flamengo, na pista de trânsito rápido. O cineasta, louco da vida, metia a mão na chave e o motor não dava sinal de vida enquanto os carros passavam tirando tinta da gente.

O compositor da trilha foi o primeiro a, nervoso, dar o alarme. Precisávamos dar o fora do carro urgentemente, antes de virarmos sucata e notícia.

E assim, os três magricelas correram para o gramado do Aterro enquanto o cineasta, desesperado, implorava para o carro voltar à vida.

Não lembro como afinal chegamos de volta ao Solar.

Fui dormir direto.

Acordei, tomei um banho refrescante e, recuperado da aventura, imaginava que cena não teríamos oferecido aos passantes, eu, Caetano e Gal (ainda Gracinha) sentados no gramado do aterro assistindo ao drama encenado por Paulo Gil tentando ressuscitar um fusca.

Pena que não filmaram.

Música do dia

O Amor

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  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

 

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