Guttemberg Guarabyra
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A palavra, literalmente vaso-podre, em francês, denominava o jarro utilizado para juntar pétalas e flores, deixado num canto para perfumar o ambiente.
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Jamais compreendi o tempo como descrito por Einstein e cérebros que viajam além dos limites dos entendimentos.
Para mim, tempo continua sendo a sucessão dos minutos. E fico humildemente com esse entendimento que faz o dia a dia, as horas a fio, e até mesmo o tempo correndo depois do existir, chamado eternidade.
Mas seguindo sempre em frente. Nada daquilo de curvar-se, acelerar, desacelerar e até andar para trás. Meu tempo é marcado segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora. Quem quiser que conte outro.
E assim à noite segue-se a luz da manhã, à manhã o crepúsculo, e à claridade do entardecer novamente a noite, e um dia se sucede a outro na eterna sequência dessa história a atravessar os tempos.
Aí a palavra é plural, ganha outros adjuntos, porém, por mais que agregue elementos ou atravesse eras e eras, a direção permanece a mesma. Tempo anda para a frente.
Havia um pé de laranja na estrada entre Bom Jesus da Lapa e Paratinga, do tempo em que a estrada era um não-havia.
Explico. Naquele tempo, dependendo da estação do ano, o curso da estrada de terra variava conforme a cheia do São Francisco.
Ora o leito do rio se alargava, empurrando o caminho para mais distante. Ora o contrário. Ao se estreitar, ao esvaziar, trazia o caminho mais para perto do leito habitual.
O pé de laranja só era acessível quando o jipe em que viajávamos era obrigado a seguir um dos muitos caminhos da estrada que não havia.
Só ocorria uma vez por ano.
E caía justamente no tempo das férias, quando podia acompanhar meu velho nas viagens de rábula a atender clientes sertão afora.
A cada dia que penso na consistência e no sabor daquela fruta, cujo sabor e consistência jamais encontraria em outra laranja, além de lamentar que aquela espécie possa não ter sido preservada, acomete-me a inevitável saudade daquele tempo.
Tempo das águas, das chuvas. Tempo da seca, da poeira.
Em Xique-Xique havia um tempo em que rodamoinhos de vento transitavam pela avenida e passavam em velocidade por nossa porta, como carros num tráfego que ainda não existia naquele tempo.
Por vezes, ficávamos, eu e a colegada, braços abertos como uns cristinhos sem cruz, esperando que nos atropelassem, esvoaçassem nossas camisas, lançassem areia fina e picante em nossos rostos sensíveis, de olhos fechados, e se fossem morrer rua abaixo, findado o tempo de vida e movimento.
Há tanto a falar sobre esses fragmentos de tempo, que o ajuntamento deles, como estou no tempo de músico, me faz lembrar um pot-pourri.
A palavra, literalmente vaso-podre, em francês, denominava o jarro utilizado para juntar pétalas e flores, deixado num canto para perfumar o ambiente.
Com o tempo, a misturada passou a significar algo composto de partes ou elementos de natureza diversa.
Já misturei muitas partes de música num pot-pourri, ligando-as como se fossem uma só.
É como resumir muitas histórias num só tempo.
Mas não vou dizer que a vida seja um pot-pourri, porque pot-pourri pra mim é música. E vida é tempo, tempo, tempo, tempo.
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Música do dia