- Guttemberg Guarabyra
O verdadeiro segredo é aquele jamais dito.
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Aí vem à memória aquele caso que você tem vontade de contar, sabe que a narrativa traria momentos de estupefação, suspense, e ao final uma onda de alívio e quase aplausos.
Mas não pode contar.
O verdadeiro segredo é aquele jamais dito.
Ou confessado apenas de você para você, no escuro e de portas fechadas. E apenas em pensamento. Nada de sair digitando, só de sarro, em algum computador, celular ou coisa que o valha. Segredos são peritos em fuga. Não facilite.
Ao abrir o cofre para alguma consulta ou lembrança, esteja alerta para que não lhes escapem das vistas. Mantenha-se alerta. Ao menor movimento em direção à liberdade, bata a porta, gire o botão de misturar os números da tranca, respire.
Não os confunda, porém, com aquela fofoca ou disse-me-disse, especulas de ponta de rua. O segredo, o verdadeiro segredo, é aquele capaz de fazer com que o inimigo localize sua posição e lhe destrua.
É aquele que, com consequências menos coletivamente trágicas, pode desmanchar casamentos, diluir sociedades, causar suicídios, homicídios, loucura, mudez permanente.
Relembre a cena que não pode contar. Imagine agora que alguém acabou de descobrir o que está se passando em sua mente. Calcule as consequências.
Você pode estar enganado. Talvez o desvendamento do mistério nem cause o prejuízo e a comoção que meses ou anos atrás traria, caso fosse revelado agora.
Mas cuidado. O segredo usa dessas artimanhas para escapar.
Enquanto você come, enquanto você passeia, anda, caminha, viaja, dorme, ele está tramando uma fuga.
Mesmo enquanto você ama — um momento sagrado — não se iluda, ele estará de prontidão para distraí-lo, forçará uma brecha, tentará conturbar sua alma. Não respeita nada.
Relembre novamente a cena que você quer preservar no anonimato. Aliás, querer não é bem o verbo. Você é obrigado a mantê-la oculta. Segredo que depende apenas do simples desejo de revelar não é segredo, é picuinha.
Talvez seja até mistério.
Mas não é o segredo capital. Aquele que, ao lhe retirarem o véu, automaticamente modifica destinos.
Sou forçado a parar por aqui, pois de tanto lembrar do momento que oculto para todo o sempre, sinto que ele se aproveita para sacudir minhas defesas.
E se esforça por emergir do fundo do abismo escuro onde o mantenho acorrentado.
Segredo, amigos, é o único ser que merece cumprir eterno cárcere privado.
Mantenha-o lá. Não é crime.
- Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.