- Guttemberg Guarabyra
E dava para dormir em alguma pousada que havia descoberto no caminho de ida, com tempo para inspiração e descanso em camas simples com sonhos ajardinados.
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O fascínio por dirigir em estradas de terra sempre me dominou.
Nas excursões com a banda, principalmente no auge do sucesso da novela Roque Santeiro em que o tema do protagonista havia sido composto e interpretado por nós, Sá e Guarabyra, e o da segunda personagem mais importante, a viúva Porcina, idem composto por nós, porém na interpretação do Roupa Nova, esse fascínio podia ser posto magnificamente em prática.
Os pedidos de shows não cessavam.
A novela era tão importante que obrigou os espetáculos gerais no Brasil a atrasar o horário do início das apresentações.
Elas ocorriam não mais às 20.30 hs ou 21 hs, mas depois da novela.
No início, resistimos. Depois nos conformamos. E não só isso, começamos a projetar em telões armados na frente do palco, a transmissão da novela.
A plateia não precisava mais assistir o capítulo em casa e correr para o teatro. Bastava chegar cedo, acomodar-se, assistir a novela na grande tela de cinema, e de lambuja curtir o espetáculo. Passamos a ser figurantes de nosso próprio evento.
Com todo esse sucesso, nós que sempre fomos de cantar em cidades pequenas, podíamos armar excursões em que, na linguagem dos empresários, era possível explorar vários locais de uma mesma praça.
Ou seja, cidades vizinhas num mesmo percurso. Daí o transporte era terrestre.
Alugávamos o ônibus mais confortável possível, que possuísse cadeiras o mais reclináveis que pudessem e, importante, cujas janelas fossem protegidas pelas mais grossas cortinas que pudessem dispor. Pois que era indispensável dormir não apenas noites de sono mas também dias, já que nem sempre o percurso nos permitia descansar à noite.
Diria que se tratava de um ônibus-hotel.
Depois que recebia dos produtores a prévia do roteiro da viagem, passava a estudá-lo no mapa.
O objetivo era calcular se valeria a pena, em vez de embarcar no hotel motorizado, fazer o percurso no meu próprio carro.
E, se houvesse estradas paralelas ao percurso oficial desprovidas de asfalto, já avisava aos empresários que faria a viagem de forma avulsa.
E enquanto o ônibus confortável rodava as estradas asfaltadas, eu comia o pó da estrada cruzando a estrada principal ora à esquerda ora à direita, afastando-me da rota principal dezenas de quilômetros, derrapando em curvas pedregosas, atravessando pontes de madeira, descobrindo fazendas produtoras de queijos quase caseiros, empanturrando a barriga e o carro dos prazeres das roças mais diversas.
No estirão da volta para casa, depois da última cidade, não precisava mais correr tanto, e dava para dormir em alguma pousada que havia descoberto no caminho de ida, com tempo para inspiração e descanso em camas simples com sonhos ajardinados.
Até de novo estar em casa, como já disse Fernando Brant, com a alma repleta de chão.
Músicas do dia.
- Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.