Escrita por Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo de Santo André-SP
A Diocese de Santo André, presbíteros, diáconos, religiosos e
religiosas, membros da vida consagrada, seminaristas, agentes de pastoral,
todos os batizados e pessoas de boa vontade e a quem interessar possa, neste
tempo de pandemia, paz e bênçãos de Deus:
“Quem poderá nos separar do amor de Cristo? A tribulação, a
angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo ou a espada?” (Rm
8, 35)
- Saudação
Que a graça e a paz de Deus estejam com você que está lendo esta
carta. FELIZ PÁSCOA meu irmão, minha irmã. Cristo ressuscitou, “aleluia”,
venceu a morte com a força de seu amor divino. Ele nos dá a viva esperança
de que, com Ele venceremos também. A ressurreição de Cristo é a vitória
final sobre o pecado e a morte.
Esta vitória foi iniciada com Ele e é levada avante no tempo, por todos
os que nele acreditam e procuram praticar sua Palavra, como nós que fomos
lavados na água batismal. No batismo morremos com Cristo para o pecado
e ressuscitamos para uma vida nova na graça.
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Neste dia solene de páscoa você deve fazer a renovação das promessas
batismais, como um jogador de futebol, você renova o seu “passe” na Vigília
Pascal, para continuar jogando no time de Cristo Jesus. Diante do círio
Pascal que representa Cristo Luz do mundo, luz sem ocaso, faça a entrega de
sua vida porque Ele já se entregou por você. - Nossa Nação no seu Calvário social e a pandemia
Estamos mergulhados em uma crise de escala global. Esta crise já
estava em curso quando explodiu a pandemia do Coronavírus (Covid-19) no
início deste ano. Esta crise não era somente da estagnação econômica, mas
de todos os outros campos da vida social e política, manifestando-se em
especial na desigualdade e pobreza crescentes no mundo. Diante da escalada
da pandemia, nosso país sofre para vencer mais este desafio.
Somos um dos campeões da má distribuição de renda no mundo. Por
isso somos um país rico com um povo pobre e fragilizado. A maioria está na
miséria, em lugares onde o Estado não está presente. Há falta de políticas
públicas voltadas à erradicação da carência na saúde, saneamento básico,
educação, moradia, emprego. Todos estes são direitos assegurados pela
Constituição Federal, mas que as autoridades políticas não conseguem
viabilizar, devido à teimosia em manter os privilégios da minoria. Isto faz do
Brasil um país rico, mas sem dignidade e bem estar para todos,
consequentemente, um país de violência manifestadas em várias formas.
No Brasil o epicentro dos casos de doença e contaminação pelo
Coronavírus está aqui na nossa Região, mais especificamente na grande São
Paulo. E aí dentro, o grande ABC está no foco da contaminação. Todo
cuidado é pouco e devemos levar a sério a quarentena que é proposta a todos,
e as recomendações da OMS e do Ministério da Saúde.
A discussão que contrapõe a preservação de vidas à economia é
perversa, porque em consciência todos sabem que a vida vem primeiro que
o econômico ou o mercado. Que a dura realidade que vivemos e viveremos
ainda, quando esta situação passar, nos mova à conversão pessoal e social:
“Converta-se, pois, cada um de seu caminho perverso, melhorai vossos
caminhos e vossas obras” (Jr 18, 11). - Firmes na fé e na esperança
Neste tempo de incerteza e tristeza é necessário apontar caminhos de
esperança. Nossa esperança brota da fé, ela é a vitória que vence o mundo
(cf. 1Jo 5,4). E a fé nos vem pela Palavra de Deus que ilumina nossa mente
e nosso coração enchendo-nos de confiança. Nossa fé é fé naquele que nos
ama, Jesus Cristo. Ele que rogou para que nossa fé não desfaleça (Lc 22,32),
pois rogando por Pedro rogou por toda a Igreja.
Nossa fé nos ensina a crer na vida eterna que começa aqui, justamente
quando a praticamos na confiança e entrega a Deus. “Animados pela fé,
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sabemos que Aquele que ressuscitou Jesus também com ele nos há de
ressuscitar e nos fará aparecer diante d‘Ele… por isso, não olhamos para as
coisas visíveis, mas para as invisíveis, porque as visíveis são passageiras, ao
passo que as invisíveis são eternas” (cf. 2Cor 4, 13-18).
A fé nos tira o medo, ela é a certeza daquilo que esperamos. Sem fé é
impossível agradar a Deus (cf. Hb 11,6). Os que tem a fé são iluminados pela
luz de Cristo e vivem de Deus, pois o justo vive da fé (Hb 10, 38). Não
deixemos que os abrolhos espinhosos e pedras da estrada da vida sufoquem
nossa fé. O homem sem fé é o mais pobre dos pobres. Sem ela, o ser humano
constrói na areia e marcha para o vazio.
Por isso, nesta Vigília Pascal, convido toda nossa Igreja Particular
de Santo André a repetir alto e solene diante do círio pascal luminoso: “Eu
creio Senhor, mas aumenta minha fé” (Mc 9, 24). Assim, poderemos orar e
sermos ouvidos pois Jesus prometeu: “Tudo que pedirdes com fé, na oração,
recebê-lo-eis” (Mt 21, 22). E teremos então a consolação de dizer com o
apóstolo Paulo: “Tudo posso naquele que dá força”(Fl 4,17).
. - “Lembrem-se dos pobres” (Gl 2, 10)
Esta foi a recomendação da Igreja de Jerusalém a São Paulo quando a
visitou pela primeira vez e lá encontrou-se com Pedro, Tiago e João, as
colunas da Igreja. A fé que alimenta a esperança age pela caridade (cf. Gl
5,6).
A nossa Igreja será muito importante neste momento para mitigar a
pandemia em especial entre os mais pobres e excluídos presentes nas
periferias, como sempre fez.
Que através do Vicariato da Caridade Social e outros organismos de
Igreja presentes nas comunidades, e mesmo da iniciativa generosa dos fiéis
católicos em particular, sejam compartilhadas e aprofundadas nossa
experiências de solidariedade e caridade, tão ricas, que em diversos níveis
são fundamentais na realidade brasileira, como por exemplo a pastoral da
criança, vicentinos e outras pastorais sociais.
Na defesa dos mais pobres e vulneráveis deve-se, com base na
Doutrina Social da Igreja, lutar pela vida da pessoa humana e da sociedade.
É preciso trabalhar pelo desenvolvimento integral e sustentável, trabalhar
por uma economia solidária e inclusiva, trabalhar para que a natureza seja
preservada pelo bem da humanidade: “Libertar os outros das suas
escravidões implica certamente cuidar do seu meio ambiente e defende-lo…”
(Papa Francisco in QA 41).
A Igreja, nossa Igreja, neste tempo de crise aguda deve ser profética
nas palavras e nos atos, ante a indiferença e o egoísmo que são tentações
permanentes para todos. Ela tem que ter a fraternidade e a solidariedade
como princípios reguladores de sua ação e impregnar deles a sociedade qual
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fermento na massa: “A luta social implica capacidade de fraternidade e um
espírito de comunhão humana” (Papa Francisco in QA 20) - Olhemos para diante
Temos que sair maiores que antes diante desta crise, como Igreja, povo
de Deus, como Nação e Humanidade. O ser humano, que recebe o carinho
divino é chamado a cultivar a criação, é também convocado a cuidar com
divino carinho da vida em todas as suas formas e expressões. O sentido da
vida, nós o encontramos no amor que, entre outros aspectos, se traduz na
capacidade de se compadecer e cuidar (cf. Texto-Base CF/2020 p. 75).
Quando esta situação passar não vamos nos conformar com uma
“Igreja invisível”, ou “virtual” que não seja comunidade presencial,
sobretudo, com sua estrutura que favorece a presença na comunhão e
participação de todos. A Igreja é o Corpo Místico de Cristo e, portanto, é
visível. Jesus Cristo ressuscitado está no meio dos discípulos reunidos. O
estarmos juntos é essencial para sermos Igreja, a qual tem que ser visível
pois ela é sacramento: “A Igreja é em Cristo como que o sacramento ou o
sinal e instrumento da íntima união com Deus e a união de todo gênero
humano (cf. Vaticano II – LG 1). Ela é sempre organismo espiritual e visível
(cf. LG 8) mesmo quando é Igreja doméstica (cf. LG 11). Todo sacramento
deve sinalizar de forma concreta e não somente espiritual. Amemos o ser
comunidade, vamos nos reunir novamente com mais fé, ardor e gratidão.
Quero propor um renascimento dos laços entre nós bispos, padres,
agentes de pastoral. Que renasça e floresça entre nós com mais vigor os laços
do amor e do perdão, do desejo de estarmos juntos e de nos ajudar na
caminhada para Cristo Jesus. O cansaço destes dias deve eliminar as disputas
e competições que nos enfraquecem na obra do Evangelho. Vamos olhar
para o ideal que nos é proposto: “unidos num só coração numa só alma” (At
4, 32).
Que as iniciativas tomadas neste tempo em todos os sentidos para
permanecermos conectados, sejam valorizadas para continuarmos com mais
ardor exercendo a acolhida e a missão. Que o protagonismo laical exercido
neste tempo de pandemia seja aproveitado e integrado na missão
evangelizadora que é de todos e não somente de uma parte do Povo de Deus,
ou seja, o clero. A vitória do Ressuscitado avança com a participação de
todos os que nele depositam sua fé, consagrados e leigos que são
corresponsáveis na missão.
E aqui, apelo a todos para mantermos também materialmente nossas
comunidades, que muito precisam e precisarão da generosidade de cada um
e, certamente, da responsabilidade na gestão dos recursos materiais neste
tempo de crise que impõe sacrifícios a todos.
Enfim, neste tempo dramático que vivemos, todos estamos mais
frágeis. Vamos pois em tudo que fizermos buscar primeiro o que é essencial,
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o que nos une e nos fortifica. As discussões e disputas por grandes temas e
pela maneira de exercer as tarefas ministeriais devem cessar. É tempo de
cultivarmos a união, a paz, a tolerância e mais que nunca de carregarmos os
fardos uns dos outros (Gl 6, 2). É tempo de ouvir o que disse Jesus, o mestre
do amor, a Pedro: “Coloque sua espada na bainha” (Jo 18, 11).
Seria comovente e bonito se quando nós pudéssemos reencontrar em
comunidade, pudéssemos chorar de alegria como a assembleia do reencontro
presidida por Esdras e Neemias (cf. Ne 8, 9-10). - A verdade nos libertará e a oração nos ensina o que é a verdade
Jesus disse: “a verdade vos libertará” (Jo 8, 32). Qual verdade? Ele
mesmo é a verdade: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6). O
retrato mais completo de Jesus são as bem-aventuranças, itinerário da vida
no amor perfeito. A verdade que nos liberta é a prática das bem-aventuranças
que estão no coração do evangelho (cf. Mt 5, 1-12) e que São Paulo entendeu
muito bem (cf. 1Cor 13, 1-8).
Bem-aventuranças, cuja prática a Igreja traduziu nas sete obras de
misericórdia corporais e sete obras de caridade espirituais que, neste tempo,
somos chamados mais que nunca a praticar. Portanto, a verdade não é a
verdade do ponto de vista filosófico ou do senso comum, num conceito que
favorece a interpretação ao gosto de cada um, conforme o relativismo
reinante.
Jesus veio dar testemunho da verdade que é Deus, e “Deus é Amor”
(1Jo 4, 8). Neste mistério de amor-verdade somente poderemos adentrar na
oração. A oração que é o respiro da alma. Por ela nos unimos a Deus e somos
iluminados pelo Espírito Santo. Sejamos antes de tudo, e sobretudo uma
Igreja orante, neste tempo de crise, para que o Senhor nos liberte de nossas
prisões como libertou o apóstolo Pedro (cf. At 12, 5).
Que nós possamos estar atentos contra as “fake news”, ou seja, as
notícias falsas espalhadas em especial na internet, que confundem tantas
pessoas e também os erros propalados. É necessário o discernimento e o bom
senso, aquele fruto do Espírito e este fruto de nossa vigilância cristã.
Estejamos vigilantes.
A nossa oração seja de intercessão como a de Moisés (cf. Ex 11, 12),
pelos que estão na linha de frente desta batalha contra o Coronavírus:
médicos, enfermeiros, agentes da saúde e todos os trabalhos essenciais que
não podem parar. Rezemos também pelas vítimas desta pandemia. Rezemos
para que Deus tenha misericórdia de nós. - Um voto coletivo
A nossa Região do Grande ABC é muito populosa, são perto de dois
milhões e setecentas mil pessoas (senso de 2010), ou mais, em um espaço
reduzido de 825 km2, com uma grande população em aglomerados urbanos,
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favelas e zona de risco. Corremos um grande perigo de termos uma tragédia
humanitária, se esta pandemia sair do controle.
Por isso, peçamos a intercessão de Nossa Senhora do Carmo padroeira
de nossa Sé Catedral, para que nos livre deste “purgatório” em que estamos.
Façamos juntos o voto de participarmos de sua festa dia 16 de julho na nossa
Catedral, se até lá este perigo tiver passado no território de nossa Diocese, e
for permitido que celebremos juntos presencialmente, como em anos
anteriores.
E rezemos muitas vezes esta que é a primeira invocação conhecida da
Igreja à Virgem Maria: “À vossa proteção recorremos, santa Mãe de Deus;
não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos
sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita”.
Conclusão
Que este momento nos ensine a trilhar o caminho da não violência
ativa em nossas relações. Para isso, purifiquemos os nossos corações e
mentes. A nível de comunidade queiramos saber mais qual é nosso dever que
nossos direitos: “Não devais nada a ninguém a não ser o amor” (Rm 13, 8)
que é o vínculo da perfeição. Amor que é a dívida que devemos e temos uns
com os outros, pois fomos resgatados pelo amor de Cristo. Amor que é
serviço humilde como o do Servo Jesus.
Assim, venceremos este momento dramático de pandemia que
atravessamos. Tudo passará e quem permanecer na fé sairá mais purificado
e fortalecido, na bem-aventurada esperança que nos anima em Cristo Jesus,
luz que veio nos visitar. Esta é a fé que animou Maria Santíssima e os Santos
Apóstolos entre eles nosso querido padroeiro Santo André.
Dizia Santa Dulce dos Pobres: “No amor e na fé encontraremos as
forças necessárias para a nossa missão”. Que assim seja!
Em nome de Jesus, como servo inútil, mas por misericórdia de Deus
Pai e Pastor desta Igreja, permitam-me abençoar a todos e abraçar cada um
dizendo: Feliz Páscoa com Fé e Coragem!
Santo André, 11 de abril de 2020
Sábado Santo e Memória da morte de Santa Gemma Galgani
Dom Pedro Carlos Cipollini – Bispo de Santo André