Viajando na maionese II

In ABCD, Artigo On

Por Guttemberg Guarabyra*

A maionese continua sendo um transtorno para meu amigo Wilson. O leitor que acompanha minhas crônicas ou adquiriu meu livro deve lembrar-se que, na publicação, lembro da ocasião em que ele, um dos melhores técnicos de som do Brasil, foi homenageado com um jantar. Chegou atrasado. Todos os convidados estavam ansiosos à sua espera. Ao ser recebido, olhou por sobre os ombros do anfitrião e não acreditou no que viu. Em cima da mesa havia uma galinha enorme, totalmente esculpida em maionese. E maionese cor-de-rosa. Só teve tempo de empurrar o anfitrião para o lado, atravessar correndo a sala e, já despejando pela boca o que havia no estômago (graças a Deus, vazio), entrar banheiro adentro, pálido, quase desfalecido.

      Depois de bons dez minutos lá dentro, com os convivas à porta, preocupados, e após ter lavado o rosto com água fria, é que conseguiu satisfazer a curiosidade de todos: detestava maionese. Pior: abominava aquela abjeta pasta! De nada adiantou o dono da casa dizer que a maionese apresentada à mesa ele mesmo havia aprendido a preparar em Milão. Meu amigo foi categórico: não fazia diferença o fato de ela ter sido preparada à moda de Milão ou da Iugoslávia. Maionese é sempre maionese. Amarela, rosa, verde, vermelha, brasileira ou francesa, não passa da mais repugnante e absurda invenção humana, segundo suas palavras.

        Após o vexame, Wilson viu-se obrigado a passar o resto da festa enfurnado numa sala, longe da mesa do jantar comendo pão puro com um pouco de vinho. Ao reencontrá-lo um dia, recordarmos a história e acrescentou que ainda sofreu terrivelmente naquela noite, pois os convidados, preocupados com o seu bem-estar, insistiam em aproximar-se para oferecer ajuda. Mas aproximavam-se com aquela pasta asquerosa nos lábios, na língua, na boca inteira. Ele, desviando o olhar para o teto, conversava e agradecia desesperado, louco para que o prestimoso convidado se afastasse dali o mais rápido possível.

      A novidade agora é que ele julga estar havendo uma conspiração contra ele. “Antigamente”, afirma, “havia menos maionese no mundo. Hoje em dia, porém, não há churrascaria sem bufê e não há bufê sem maionese. Guará, eu não sou o Superman, mas maionese para mim é criptonita!” E a pior criptonita, conta ele, é a maionese com batatas, pois ela, além de exalar um inconfundível e horroroso cheiro, ainda brilha! Isso mesmo. Wilson garante que a maionese com batatas brilha no escuro, e que ele é capaz de enxergá-la de longe. Só poderia mesmo chamá-la de criptonita. Mas não reconheço na prodigalidade da maionese, a qual hoje, de fato, parece estar em tudo, uma conspiração destinada a acabar com sua vida.

      No entanto, nem por isso deixa de ser razoável que se sinta perseguido. Como justificativa, cito outra história do amigo. Contou-me ele que, regressando de uma viagem longa que fez a trabalho, chegou em casa e verificou que a geladeira estava desabastecida. Resignado, foi às compras. A neurose da maionese é tão grande, que Wilson entra nos supermercados sempre pelo lado que o mantenha o mais distante possível da prateleira em que são expostos os potes de maionese. Até mesmo nos restaurantes em que é hábito deixar potinhos de maionese em cima das mesas — coisa comum no interior — ele planeja cuidadosamente de que lado da mesa vai se aproximar e sentar-se, de modo que sempre fique do lado oposto àquela matéria gordurosa de óleo e ovo batido. Mas, voltando à história, ele entrou no supermercado e só então reparou que uma reforma havia modificado a disposição das gôndolas. Tarde demais percebeu que passava justamente entre duas enormes paredes compostas de vidros de maionese empilhados. Estava cercado!

      No mesmo instante adveio-lhe a paranoia. Julgou que tudo aquilo estava prestes a cair-lhe por cima. Apavorado, apressou o passo. Em seguida, pôs-se a correr, contornando o fim do corredor e, visivelmente enjoado, continuou correndo, acabando por sair porta afora, perseguido pelos seguranças. Quase foi preso. Por curiosidade, perguntei o que faria se aquilo caísse verdadeiramente em cima dele. “Guará”, disse, “se alguém jogar um pote de maionese em cima de mim, eu caio gritando e não vou conseguir reagir de maneira alguma, pois não tenho coragem de meter a mão naquilo. Logo perderia o fôlego e teria um ataque cardíaco fulminante… Eu morro, Guará!” Prostrou-se, ofegante. Suava tanto, que achei que ia ter um troço.

      Só depois de algum tempo consegui tranquilizá-lo — e mudamos de assunto. Conversamos então sobre a excursão que havia feito pela Europa, operando o som de mais um astro da música. Descreveu Barcelona, Paris e… Milão. Imediatamente nos lembramos da maionese milanesa em forma de galinha rósea. Como estávamos em minha nova casa e ele não sabia onde ficava o banheiro, por pouco não brindou o nosso jantar, que minha mulher já estava quase servindo, com um aperitivo à altura daquilo que ele considera a substância mais execrável que a humanidade já criou.

Música do dia

Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Francisco, Interior da Bahia, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro, cronista de ABCD REAL, publica no portal crônicas de seu livro “Teatro dos Esquecidos” e outras.
O livro pode ser adquirido pelo https://editorathoth.com.br/produto/teatro-dos-esquecidos/106
A crônica original “Viajando na maionese” está nas páginas 233 e 234 dessa publicação imperdível.
Entre os maiores sucessos de Guarabyra como compositor e cantor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra Vez na Estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá), “Espanhola” (com Fávio Venturini), “Dona” e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas publicadas na grande imprensa, entre elas, em conclusão, o Diário Popular.

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