- Guttemberg Guarabyra
Fui dos primeiros a acreditar na telefonia celular. O sinal de transmissão havia ainda apenas em algumas capitais, mesmo assim restrito a alguns bolsões, mas já havia lojas vendendo aparelhos chineses. O meu, de uns quinze por quatro centímetros de comprimento e largura, mais uns cinco de profundidade, pesava, com a bateria acoplada, não menos do que quatrocentos gramas. Encaixado na base de recarregamento assemelhava-se a um rádio de comunicação. Tanto que um dia, num restaurante em que havia uma tomada próxima à mesa a que me sentava, ao ver o telefone, um objeto ainda pouco conhecido, sobre a mesa, o garçom perguntou: “Dá pra ouvir o rádio da polícia?”. A carga das baterias (sim, no plural, era preciso carregar diversas delas), durava no máximo duas horas. Eu as transportava numa bolsa de lona à parte. Umas quatro ou cinco, cada uma pesando umas cento e oitenta gramas, de modo que o peso da bolsa beirava seguramente um quilo. Um quilo apenas de baterias. Uma tarde, passeando pela Praça Buenos Aires, na capital paulista, resolvi ligar para mais um amigo para contar sobre a praça que visitava e, claro, também sobre a formidável novidade: “Sabe como estou falando? Estou ligando de um celular!”. Ah! Eram sempre exclamativas as reações. Bem, tentei falar e a ligação não se completava. Pedi auxílio à telefonista. Ela pacientemente ouviu a descrição do meu problema, interrompendo algumas vezes não para dar alguma sugestão, mas para que eu lhe prestasse algum esclarecimento, o que significava que nem mesmo as atendentes do serviço ainda conheciam plenamente o funcionamento daquele milagre tecnológico. Despedi-me, porém, por dois motivos. Primeiro, porque a carga da bateria já estava quase esgotada e logo teria mesmo que interromper a ligação para fazer a troca. Segundo, porque o conselho final dela foi surpreendente. Após pedir que informasse se eu estava andando ou parado, e eu informar que estava caminhando, apreciando o passeio pela praça, falou-me dessa vez animadamente como se houvesse finalmente encontrado a solução do problema: “Ah, moço. Esses telefones são para falar parado!”. Por sorte eu já sabia que pelo menos em Portugal, onde o serviço já existia bem antes de ter chegado ao Brasil, era chamado de telemóvel justamente em razão de que, pela primeira vez, permitia que a gente telefonasse enquanto, por exemplo, apreciava a estátua Mãe, esculpida por Caetano Fracarolli, que admiro tanto, e que desejava descrever ao amigo com quem não conseguiria me comunicar naquele dia. Fosse hoje, dava até para fotografar, filmar, e se ele morasse no Japão, receberia as imagens em segundos sem que eu precisasse incomodar nenhuma telefonista. Alô?
Música do dia:
- Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.