Por Marli Gonçalves
De joelhos, no Congresso, em encontro evangélico, orando palavras pouco audíveis, toda emocionada, com cara chorona, molhada, consternada, pedindo a “cura” do Brasil. O teatral ato de Michele Bolsonaro, acaso a esposa do presidente, que me recuso a chamar de dama, muito menos de primeira-dama, desnecessário, foi um desrespeito total ao Estado laico, ao espaço público, afronta à nossa inteligência e especialmente às mulheres, que eles acham que no meio dessa balbúrdia conquistarão assim
De tudo isso só sobra a ideia de que precisamos mesmo – e muito – orar e fazer todos os salamaleques possíveis pelo Brasil, mas para que realmente o país se cure de todo o mal que esse sobrenome, a família toda, nos apresenta. Estamos nós de joelhos, esgarçados, pedindo, mas para que cesse esse angustiante momento, todos os dias com ameaças à democracia e a tudo tão duramente conquistado. Antes que não sobre país.
Não bastasse o ato de uma tal frente evangélica ter sido mais uma vez realizado nas dependências do Congresso, não foi essa a primeira onde a apagada criatura se ajoelhou convenientemente. Agora aparece assim: aqui e ali, e sorrindo, e chorando. Entoou cânticos de aleluia e regozijo emitindo palavras desconexas com a nomeação ao Supremo Tribunal Federal do terrivelmente evangélico André Mendonça. Só assim. Quando não, vestida de Branca de Neve, personagem singular cercada de anões. Ou ainda falando alguma sandice, que traduz em libras, onde se justifica.
Bolsonaros pensam mesmo que o país é a cozinha ou sala ou banheiro da casa deles? Assim parece, e acaba sendo, desde o primeiro dia da eleição deste desgoverno que, com fé, terminará este ano, embora esteja sendo desenhado no ar um maquiavélico plano de continuidade. Claro que não sou nem besta de negar que estejamos todos sem leques de opções de voto – até agora só o sim, ou o não. O país virou apenas uma divisão política incoerente, quando mais precisa de união.
A sensação é a de que nós estamos fechados em um ambiente com quatro paredes, e que estas paredes vêm se aproximando, comprimindo, cada vez mais rápida e violentamente ao nosso redor como nos piores filmes de terror. E não são alquimistas, mágicos nem malabaristas. É como se inimigos se aproximassem, babando, apertando de todos os lados, libertados de algum canto: racismo, homofobia, misoginia, violência e virulência, essa falsa religiosidade cheia de dogmas preconceituosos e que nem representam os verdadeiros evangélicos vêm se sucedendo, e em uma escala absurda. O cerco se aperta. Digo mais: não só pela direita, também pela esquerda sempre aferrada a visões passadas que não conseguem atualizar. Tudo isso faz com que o que vem de cima, do teto, dos lados, e até os muitos que vêm se arvorando vindo lááá de baixo se sintam livres para nos ameaçar, alimentados por muitas forças estranhas.
Nesta sala em que estamos detidos, a tortura é ver o país se desmilinguindo continuamente, praticamente em todas as frentes. Só atraso. Onde há avanços? Nas principais áreas, aponte. Educação, só escândalos; Saúde, o nosso SUS salvador respirando por aparelhos entre negacionistas e falta de recursos; Economia? Tem ido aos supermercados, à feira, visto as ruas, o desemprego, a paradeira? Como estão os salários, os juros, o oportunismo empresarial? Infraestrutura? Pior é ter de aguentar que daí ainda saia candidatura de ministro que inaugura obra que despenca poucos dias depois. Estradas? Ferrovias? Hidrovias? Meio Ambiente: devastado pelas patas da boiada humana descontrolada que passa, desmatando, matando, oprimindo e isolando comunidades inteiras. Habitação? Veja o escandaloso luxo dos edifícios que derrubam e expulsam bairros inteiros, a população de rua jogada nas esquinas. Continuo? Pensa nos Direitos Humanos, na Previdência, nos Transportes. Na diplomacia em um momento global tão delicado. O desmonte é completo.
E ele ri e fala em armar mais e mais, esse ser que não sabe o que é amor, não é possível que saiba.
Mas voltando à dantesca cena dos joelhos dobrados de Michelle em pleno Congresso Nacional, pensem se acaso seria possível a realização de um atozinho sequer, poderia ser de mera homenagem, à campeã Escola de Samba Grande Rio que este ano levou o orixá Exu, o que abre os caminhos, à avenida. Seria até engraçado e bom para dar um banho de descarrego por lá, mas já imaginaram o barulho?
Achei um detalhe bom no outro significado de ficar de joelhos, e quem sabe a esposa do homem não teve, como se diz, a “visão”: “farejar o toque de retirada”.
Aleluia!
MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br