Olhar fraterno de um grande Repórter-Fotográfico cego de um olho e com 60% de visão no outro

In ABCD, Canto do Joca On
- Updated
Foto do grande Repórter-Fotográfico Ricardo Hernandes.

Joaquim Alessi

Ricardo Hernandes, um dos maiores Repórteres-Fotográficos da História do Jornalismo (não só do ABCD, mas do Mundo), nos brinda com nova Reportagem Especial.

Sem necessidade de escrever uma única letra, ele joga na nossa cara uma denúncia de arrepiar. Esta imagem:

Imagem captada às 16h desta segunda-feira (22.05), na Rua Coronel Oliveira Lima.

Isso mesmo, no Calçadão andreense que expõe a Sarjeta da desumanidade.

Nessa época do ano, políticos e políticas lançam suas “campanhas do agasalho”, importantes, necessárias.

Mas, dificilmente algum deles tenha tanta Fraternidade como essas duas personagens da foto do Ricardinho.

Ricardinho? Sim, trabalhamos juntos desde 1981. Ele já mais experiente, sempre me ensinando nas primeiras reportagens de rua.

Guardo até hoje comigo muitos dos ensinamentos, das dicas, sempre com o propósito de ajudar no meu crescimento profissional.

Lembro de quando o então prefeito Tito Costa instalou os primeiros parquímetros na Marechal Deodoro, em São Bernardo.

Alguém ainda sabe o que é parquímetro, ou parkimetro, usando o “park” em inglês? O Rotativo de 40 anos antes…

Colocávamos moedas para estacionar. E Ricardinho me deu uns toques de como entrevistar os usuários, agentes de trânsito, de modo a conduzir a reportagem.

Teve muito mais, mas precisaria de uma livro para relatar tudo.

Se mais não aprendi foi por incompetência mesmo deste que vos escreve, mas ele bem que tentou.

Um visão humana, de afetividade

Repórter que aprendeu a checar todas as informações, enviei mensagem a Ricardinho, em primeiro lugar, pedindo autorização para republicar a foto.

De pronto ele atendeu e autorizou. Mais do que isso, relatou detalhes do momento em que fez o flagrante, em outra história humana sem igual.

Me disse, portanto, por áudio: “Mostra a afetividade entre o ser humano e o animal, e lá em cima mostra alguns pés, uma referência de que eles estão em um lugar público”.

E prossegue: “Essa foto eu fiz depois de sair do dentista que cuida da minha saúde bucal, desde quanto eu tive câncer. Saí de lá meio arrasado, porque tenho um problema estrutural na boca, provocado pela radioterapia, que só se agrava e não tem concerto”.

Além disso, confidenciou: “Aí saí meio triste da vida e encontro essa cena que foi, naquele momento, muito importante para mim”.

Nesse ponto veio o relato extremo: “Mais importante é saber que mesmo cego de um olho, enxergando apenas 60% do olho direito, eu, graças a Deus, continuo desfrutando desse privilégio que me foi dado, de ter a sensibilidade de registrar cenas como essa.”

Cigarro e o Hospital do Câncer

Pedi novamente autorização para revelar a confidencialidade. Vejam a resposta:

“Ah, Joaquim, fique à vontade. A frase que eu uso para alertar as pessoas que me dão atenção é assim; durante 30 anos eu procurei uma boa desculpa para parar de fumar. Em 2001 eu achei essa desculpa no Hospital do Câncer.”

Alertou mais: “Graças a Deus eu sobrevivi ao tratamento, e graças a Deus estou tendo forças para combater os efeitos colaterais”.

Explicou, além disso, em detalhes: “Os efeitos colaterais no meu caso são xerostomia, ou seja, eu não tenho a função salivar, eu não salivo, eu não tenho olfato, eu não tenho paladar, a estrutura óssea da minha boca foi seriamente danificada pela radioterapia, porque à época em que eu fiz o tratamento o processo radioterápico não era tão preciso como é hoje, e a radioterapia também provocou essa sensibilidade em outros órgãos, como meu ouvido e o meu olho esquerdo. Demorou muito tempo para eles reagirem negativamente, mas infelizmente eles reagiram. E, aos 71 anos, eu levo tudo isso fazendo de conta que não é comigo.”

Dia do abraço

Com todos esse problemas, Ricardinho não perde a ternura.

Vejam o que ele fala, em conclusão: “Ah, e lembre-se de que, coincidentemente, essa foto, dos amigos se abraçando, a imagem foi captada justamente no Dia do Abraço. Eu só percebi isso depois, mas é uma referência à importância de um abraço também!”

Ricardo Hernandes

 

 

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