Nana, minha doce professora de canto

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Nana Caymmi

Guttemberg Guarabyra*

O Luna Bar, no bairro carioca do Leblon, depois que se tornou palco da conspiração de compositores brasileiros que acabaria desembocando na criação do ECAD e da Sombrás, arrecadadora de direitos autorais, conspiração que era tramada no reservado posterior ao salão principal, onde discretamente os compositores se reuniam, acabou virando ponto de encontro geral da intelectualidade carioca.

Eu me estabeleci ali de tal maneira que, numa noite, depois que as portas de aço já estavam arriadas e o funcionamento oficialmente encerrado para o público externo da madrugada do Leblon, pedi que fossem abertas para que eu, finalmente, tomasse o rumo de casa.

Na noite seguinte, ao ingressar novamente no bar para bater o ponto diário, fui surpreendido com uma chacota que se estendia desde o salão de entrada até o reservado, que citei lá em cima, em que a conspiração de compositores deflagrou o local como point dos artistas.

A chacota dirigida a mim, com variadas interpretações, me inquiria sobre o que eu tinha feito com o dinheiro. “E aí, Guarabyra, onde guardou?”. Logo me esclareceram. Assim que saí do bar na noite anterior, um outro Guarabyra, que se identificou como se fosse eu, bateu na porta de aço e pediu para que fosse aberta, pois que ‘eu’ havia esquecido uma coisa lá dentro. Eram assaltantes.

Foi lá que, no meio de uma chopada, uiscada e outras modalidades etílicas, sentado a uma mesa em companhia de Nana Caymmi, versamos (muito apropriado o verbo) sobre respiração no canto, matéria em que ela era catedrática.

Em dado momento, para exemplificar, pediu que prestasse atenção no que iria demonstrar. Encheu os pulmões ao máximo e entoou a Canção da Noiva, que faz parte da Suíte dos Pescadores, composta pelo pai, Dorival: “É tão triste ver partir alguém que a gente quer com tanto amor” Tomou um rápido fôlego e continuou, agora sem mais respirar: “…e suportar a agonia de esperar voltar, viver olhando o céu e o mar a incerteza a torturar, a gente fica só tão só… É triste esperar”. O fato de interpretar a última frase com a última porção de ar, tornando-a quase inaudível, acrescentou ao canto uma atmosfera dramática impressionante. Seguimos até o amanhecer nesse embalo.

Hoje (1º.05), Nana inspirou seu último suspiro. Minha doce professora de canto. Adeus.

*Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Integrou por 53 anos a dupla Sá & Guarabyra. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

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