Joaquim Alessi
Noite histórica, mas de muito futuro, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, neste sábado (18.03), véspera do Dia de São José Operário (19.03).
A casa emblemática foi palco do lançamento do documentário “Minha Perna, Minha Classe”, dos premiados Arturo Saboia e Cassia Melo.
História exemplar que ninguém pode deixar de ver, debater, analisar, conhecer o passado e procurar entender o que vem pela frente.
Lavrador, camponês, ferreiro, educador, sindicalista, ambientalista, pensador da luta por igualdade e reforma agrária, líder político, preso, mutilado, torturado e exilado pela ditadura, Manoel da Conceição deixou um legado para reflexões, muitas reflexões.
Prova disso é que, na plateia, vários militantes de sua época (dos anos terríveis de 1960, 1970, 1980…notadamente), gente que lutou e viveu ao lado dele, mulheres e homens, emocionaram quem ficou após a exibição para curtir relatos indispensáveis para a formulação do novos pensamentos e o estabelecimento de desafios.
Já abordamos a produção aqui, e vamos repetir abaixo, mas agora fica a sugestão, quase intimação: tem de ser visto.
Filme feito na raça, com garra, sem submeter-se a interesses comerciais. Não vai estar nos festivais, não vai pleitear o Oscar, e tem um único objetivo: ser assistido por quem tem compromisso com a justiça social.
E disse Cassia Melo nesta noite de sábado: ele estará disponível, gratuitamente, a partir desta quarta (22.03) no YouTube.
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Segue o teaser no YouTube:
O que já foi publicado
A seguir, uma lembrança do que publicamos dias antes da o lançamento:
Esse universo multifacetado do maranhense Manoel da Conceição (1935-2021) é, em primeiro lugar, tema do documentário Minha Perna, Minha Classe.
Arturo Saboia (direção e roteiro) e Cassia Melo (produtora executiva) têm, no currículo, dentre outros prêmios, 6 Kikitos, no Festival de Gramado, pelo curta Acalanto (2013), o primeiro e já bem-sucedido trabalho da dupla.
Para retratar a vida e luta desse líder incansável, a equipe se debruçou sobre pesquisas, entrevistas, depoimentos, documentos de época e visitas às locações marcantes da trajetória de Mané da Conceição, como era conhecido.
O projeto conta com a Lei de Incentivo à Cultura, patrocínios do governo do Estado do Maranhão e Grupo Mateus e realização da Clímax Filmes e Oito Projetos Criativos.
Subversivo indomável
Assim se definiu o próprio Manoel da Conceição – subversivo indomável -, em entrevista histórica ao jornal O Pasquim, mostrada várias vezes no documentário.
Primogênito de um casal de lavradores, Manoel nasceu, em 1935, em Pedra Grande (MA).
Manoel e sua família foram expulsos diversas vezes das terras que cultivavam.
Na década de 1950, com o apoio do Movimento de Educação de Base, o MEB do educador Paulo Freire, Manoel conseguiu se alfabetizar, se politizar e ter consciência da exploração e da injustiça do latifúndio.
Em 1963, fundou e foi eleito presidente do primeiro sindicato de trabalhadores rurais do Maranhão, o Pindaré-Mirim.
Com o golpe de 1964, o sindicato foi dissolvido e Manoel passou um mês preso, junto com outras lideranças.
Em 1967, vincula-se à Ação Popular (AP) e, apesar da repressão, mantém o sindicato atuante.
Amputação
Em 1968, a Polícia Militar invade o sindicato e Manoel é baleado no pé.
Preso sem qualquer tratamento por uma semana, Manoel perde a perna direita gangrenada.
Na época, o governo tentou silenciar Manoel, que respondeu: “Minha perna é minha classe”. O resto é história.
“Tive a ideia de fazer este filme quando conheci Manoel da Conceição, há 20 anos, ao fazer uma pesquisa de locação. Foi um privilégio. Acabei viajando com ele por comunidades, assentamentos e aldeias no interior do Maranhão. Há 2 anos, em plena pandemia, resolvi transformar o sonho em realidade e chamei para o projeto um roteirista com esse olhar pungente, o cineasta maranhense Arturo Saboia, colega de longa data. E a ideia não é parar no documentário. A vida do Manoel rende uma série e precisa ser propagada, porque se funde com a própria história do país”, destaca, em resumo, a produtora Cassia Melo.
Carreira
Paulista de nascimento e publicitária de formação, Cassia começou sua carreira no audiovisual com o cineasta Fernando Meirelles, na O2 Filmes, e não parou mais.
Há 20 anos, atrás das raízes paternas, mudou, portanto, para o Maranhão e fundou a Oito Projetos Criativos.
A produtora é pioneira, em São Luís, em alavancar projetos culturais e esportivos por meio de leis de incentivo.
E, agora, segundo ela, lança, acima de tudo, o projeto da sua vida.
O documentário Minha Perna, Minha Classe refaz o percurso da infância de Manoel, permeada de violência na zona rural do Maranhão, ao retorno ao Brasil pós-exílio na Suíça.
Viagem à China
Dentre os destaques, a viagem de Manoel à China, onde fez cursos e se aprofundou, acima de tudo, no pensamento maoísta.
Além disso, o ano de 1972, quando foi preso novamente e brutalmente torturado, no Rio de Janeiro, com sequelas para toda a vida e, 1979, com a Anistia, quando regressa ao Brasil e se engaja na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT).
Manoel foi, por exemplo, o terceiro militante a assinar a ficha de filiação do partido, ao lado de Mário Pedrosa e Apolônio de Carvalho.
Ele contribuiu, ainda, ativamente, da mesma forma, na fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (Centru) e da Escola Técnica Agroextrativista (ETA).
Ambientalista
E, por fim, uma outra faceta de vanguarda, o Manoel ambientalista.
No retorno ao Brasil, ele ampliou ainda mais a sua luta, defendendo o agroextrativismo e a coexistência entre homem e natureza.
“O documentário está sendo lançado num momento mais do que oportuno. Nos últimos anos, o discurso de ódio e violência varreu o país. Manoel nunca pregou o uso violência. Pelo contrário, foi vítima dela. O que ele pregava era uma estratégia de luta para aprender a se defender e isso passava pelo conhecimento da terra e da natureza“, explica, em suma, o diretor Arturo Saboia.
O jovem cineasta maranhense já coleciona 70 prêmios no Brasil e no exterior.
Dentre eles, em conclusão, o de melhor filme pelo curta Farol (2018), no Los Angeles Film Awards.
Desafiador
O diretor acredita que este seja o seu trabalho mais desafiador no gênero do documentário, seja pela complexidade do personagem, seja pela escassez de registros fotográficos e vídeos de época, em razão da clandestinidade da luta de Manoel da Conceição.
No estilo, uma inspiração: “uma das minhas maiores referências no documentário é Eduardo Coutinho. Sou profundo admirador de sua obra, em especial Cabra Marcado para Morrer. Ambos os filmes têm assuntos similares, como a violência no campo”.
“Minha perna é minha classe”, a frase que batizou o documentário está espalhada, por exemplo, em várias partes do mundo e virou lema.
Mesmo tendo conhecido de perto a dureza da prisão, da tortura e do exílio, Manoel continuou firme em sua utopia de um mundo melhor e com justiça social.
Inspiração, em conclusão, para diferentes gerações na luta contra a opressão.
FICHA TÉCNICA:
Minha Perna, Minha Classe
Gênero: Documentário
Diretor: Arturo Saboia
Produtora Executiva: Cassia Melo
Elenco: Vitor Ramos Sousa, Pedro Henrique dos Santos Morais, Admilson Diniz dos Santos, Joilma Menezes dos Santos
Duração: 90 min Ano: 2023 Formato: Digital
País: Brasil Local de Produção: Maranhão
Cor: Colorido Trilha Sonora: Matheus Vilarindo
Instagram: @minhapernaminhaclasse
YouTube: @climaxfilmes