Eram sementes de mamona, que possuem uma toxina que pode até matar, quando ingerida. Lula, visivelmente constrangido, discretamente avisou: — É mamona.
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Tive um restaurante. Em Ubatuba.
Aluguei a casa vizinha, que dava de cara para o mar.
Observava, ao nascer do sol, os pesqueiros indo e vindo no fundo da Baía da Fortaleza, e, quando mudavam o ângulo de direção, sabia que estavam voltando para o porto.
Aí era remar o caiaque rumo a um ponto mais adiante da direção em que tomavam, a fim de encontrá-los e fazê-los parar, de modo que pudesse comprar os peixes ainda vivos, dentro da embarcação. Quando me atrasava nas remadas, eles estacionavam para me aguardar. Tinha virado rotina.
Além dos pescados, inventava petiscos de toda espécie.
Inclusive uma panqueca vegetariana, recheada com legumes.
Conto esse resumo apenas para descrever a cara de um assessor que acompanhava o representante de uma revista de turismo que viera fazer-nos uma visita, com o objetivo de convencer-nos a anunciar o restaurante na publicação.
Refiro-me à cara que o assistente fez ao provar a panqueca vegetariana.
Evidentemente não esperava por aquilo. O cérebro lhe havia estendido a toalha imaginária sobre uma mesa aguardadas sensações de onde surgiria, no mínimo, a explosão de uma saborosa carne perfumada e quentinha.
E o resultado da surpresa das células gustativas ao serem invadidas pelo paladar dos vegetais frios, foi aquela expressão inesquecível de quem tinha engolido um ovo cozido inteiro e este havia entravado na garganta. O olhar era o de ‘que faço com isso, meu Deus?”
O momento persiste até hoje em minha memória feito uma fotografia inapagável.
Muito pior, com toda certeza, o desespero do senador Saturnino Braga, carioca, em 2001 ao visitar uma cidade de Goiás e, ao degustar um saboroso frango com pequi, aplicou uma generosa dentada no caroço da fruta.
O caroço do pequi, pra quem não sabe, é recoberto por centenas de micro espinhos, feito um cactos escondido sobre a polpa.
Foi um deus-nos-acuda. Saiu de lá direto para o hospital, boca inchada, horas de extração de cada agulhinha maldita.
Mas nada fez de errado. A culpa nesse cartório pertence a quem serviu o prato sem avisar ao forasteiro que o caroço era uma mina prestes a explodir. Uma armadilha.
Já com Roberto Requião, quando Governador do Paraná, o erro e a humilhação partiu de seu próprio repertório de subserviências.
Num encontro com Lula presidente, este exibiu orgulhosamente ao político grandes recipientes de vidro em que se acomodavam sementes de diversas culturas, de onde se extrairiam óleo combustível vegetal. Era o biodiesel que começava a ser produzido em grande escala.
Ao abrir um desses frascos para exibir o conteúdo ao governador, este imediatamente pinçou dois ou três caroços e os inseriu na boca, e passou a mastigar os grãos torrados.
Eram sementes de mamona, que possuem uma toxina que pode até matar, quando ingerida.
Lula, visivelmente constrangido, discretamente avisou: — É mamona.
Reverente, Requião respondeu: — É bom.
Só depois de claramente advertido de que aquilo era veneno, virou-se para esconder das câmeras a cena de cuspir aquilo tudo fora sem que elas registrassem o quase suicídio involuntário.
Mas hoje as coisas estão ficando mais fáceis. O pequi, por exemplo, dentro em pouco já não oferecerá perigo. Já está sendo cultivada uma espécie com caroços sem espinhos.
E a quantidade de mangas sem polpas fibrosas que hoje dominam o mercado, até jogou no esquecimento o Mardito Fiapo de Manga, sucesso da banda Joelho de Porco, e que vai hoje como
Música do dia
- Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.