Mais bichice, por favor.

In ABCD, Artigo On
Imagens: Pinterest

Por Marli Gonçalves*

A bichice está mesmo na Ordem do Dia depois que o Papa Francisco, em reunião fechada, usou o termo, em italiano, teria reclamado que já tinha muito “frociaggine” entre os sacerdotes. A tradução, maricas, ou bichice, esta uma palavra bem mais bonitinha, hão de concordar. Ainda bem que a bichice está solta essa semana em São Paulo, com todo seu frescor.

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São Paulo esta semana está bem “frociaggine”, e isso deixa a cidade mais bonita, colorida, alegre, divertida e diversa. Tem Parada do Orgulho Gay no domingo, a 28ª aliás, o que já deveria ser suficiente para todos já estarem cansados de aceitar a liberdade de gênero, levar a sério o movimento, prestar atenção às pautas que apresentam. Chega de armário. Chega de preconceito. Chega de violência. Respeitem a bichice nos que a tem ou não, e que muitos até por medo deixam bem recolhida até poderem extravasar na Avenida Paulista.

Vi a primeira delas. Hoje reúnem quatro milhões que colorem as ruas. Mas na primeira, lá atrás, eram poucos participantes ainda, e havia dificuldade até para desfraldar e carregar a enorme bandeira do arco-íris, símbolo que até hoje serpenteia na avenida durante o percurso. Acompanho desde sempre, quase todos esses anos, mesmo que mais de longe – tenho problemas de pânico com multidões, fico fora do aglomeração – mas faço questão de ir ver passar aquele séquito dançante, com suas fantasias criativas, a união em torno do amor, esse sim, pode-se dizer, livre. Um desfile imperdível. Atrás de cada trio elétrico, e estes repletos com famosos, famosinhos ou mais ou menos, vem o cordão variado, dançante, pulante.  Um evento do qual participam famílias inteiras. Uma das maiores paradas, senão a maior, do mundo.

E se bichice se refere geralmente só aos homossexuais masculinos, lá vão se encontrar muitas outras formas de bichices, digamos assim, e também com o tempo, perceptivo e visível aumento de casais formados por mulheres, antes apareciam em desvantagem. Na verdade, lá tem de um tudo, tanto quanto as letras do movimento, quase um alfabeto, LGBTQIAP+. Sendo que esse mais já abarca o que vier pela frente até que seja nomeado. As letras? Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queers, Intersexo, Assexuais, Pansexuais.

Como este ano tem eleições, o tema acompanha: “Basta de Negligência e Retrocesso no Legislativo – Vote consciente por direitos da população LGBT+”.  Um clamor contra legislaturas conservadoras em todas as esferas. Tem até um pedido da organização para que seja usado o verde e amarelo da bandeira nacional, numa espécie de retomada, a exemplo da apresentada por Madonna e Pablo Vittar recentemente. Isso eu achei esquisito, vamos ver. A marca é uma só: o arco-íris. Não deveria ser dividida.

Desde muito jovem sempre tive contato com todas as letras desse alfabeto, o que me faz conhecedora do que todos trazem de melhor, o que passam, suas angústias e dores, muito além da alegria que externamente demonstram. Apelidada desde então com um simpático epíteto de mulher-bicha, convivi e convivo com todas, todos, “todes”, acompanhando justamente suas conquistas.  Sou amiga das divas, muitas que ainda resistem e contam suas histórias.  Guerreio ao lado deles, inclusive com a honra de ter conseguido, para um amigo amado,  a vitória na primeira disputa, 1993, com os seguros-saúde para o tratamento da Aids, com a garra da advogada Rosana Chiavassa, hoje uma das maiores especialistas na área de defesa dos consumidores contra os constantes abusos das companhias. Muitas vidas foram salvas; esse orgulho levo por toda a minha vida.

Muitos não sabem exatamente o que foi para tudo isso chegar até aqui. Longe de mim qualquer polêmica com o Papa, de quem gosto muito e que sempre disse respeitar a liberdade de gênero, mesmo parecendo não concordar totalmente.  Foi uma gafe, deslize chato, para o qual teve que correr a pedir desculpas, e mundialmente. Coincidência ter acontecido justamente nessa semana em que São Paulo recebe o mundo “frociaggine” – a parada é um dos maiores e mais rentáveis eventos turísticos da cidade.

Tem mesmo muita bichice por aqui, ali e lá. Ainda bem. O arco-íris pede passagem.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

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