Crianças e adolescentes eram submetidos a condições degradantes e exploração sexual
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que a Justiça do Trabalho tem competência para julgar uma ação que envolve crianças e adolescentes que, cooptados com promessa de carreira no futebol, eram submetidos a condições degradantes e exploração sexual.
Segundo o colegiado, a proteção aos direitos desse grupo e a eliminação da exploração do trabalho infantil tornam a intervenção da Justiça do Trabalho indispensável.
Jovens vinham de vários Estados e sofriam abusos sexuais
O caso teve início com uma denúncia recebida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
Segundo a mesma, um homem aliciava adolescentes de vários Estados para Aracaju (SE), prometendo que se tornariam jogadores profissionais de um clube de futebol local.
Enquanto aguardavam a inserção profissional, eles ficavam no apartamento deste homem e sofriam abusos sexuais, inclusive com uso de substâncias entorpecentes.
No curso da investigação, o MPT foi informado de que o homem havia sido condenado criminalmente por exploração sexual, tráfico interno de pessoas para fins de exploração sexual e estelionato.
No processo criminal, as testemunhas (que também eram vítimas) relataram que o apartamento era pequeno, “sujo, cheio de baratas e lixo”.
Revelaram ainda que a alimentação era precária e que o lugar chegou a hospedar 15 jovens.
Ao pedir a condenação do homem também na esfera trabalhista, o MPT sustentou que a exploração sexual comercial de criança e adolescente é uma relação de trabalho ilícita e degradante que ofende não apenas os direitos individuais dos envolvidos, mas os interesses de toda a sociedade.
“Constitui-se, portanto, em grave violação da dignidade da pessoa humana e do patrimônio ético moral da sociedade”, afirmou.
Para TRT, caso não envolvia relação de trabalho
O juízo de primeiro grau condenou o homem ao pagamento de indenização por dano moral coletivo de R$ 50 mil, a ser revertida ao Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente.
Contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região reformou a sentença.
Segundo o TRT, o caso não tratava de relação de trabalho, porque os meninos eram levados a Aracaju com o consentimento dos pais, que custeavam as despesas.
Por isso, concluiu que a competência para julgá-lo era da Justiça Comum e extinguiu o processo.
No recurso de revista, o MPT argumentou que o caso envolve menores de idade em condição irregular e, ainda, situação degradante e exploração sexual.
Para o órgão, a competência da Justiça do Trabalho deveria ser reconhecida para tratar dessas questões, mesmo em fase pré-contratual.
Cooptação se deu na expectativa de carreira
Para a relatora, ministra Liana Chaib, a simples promessa de uma carreira profissional, escamoteada para a suposta prática de diversas ilegalidades, transfere o julgamento para a Justiça do Trabalho.
O fato de ainda não haver um vínculo formal de trabalho não afasta essa conclusão.
Isso porque o pretexto da cooptação foi a expectativa de uma carreira profissional de futebol.
Liana Chaib lembrou que a competência trabalhista também se estende a situações em que o jogador de futebol ainda não tenha assinado contrato formal, mas já esteja em fase de testes ou treinamentos, uma vez que a relação de trabalho, nesses casos, é potencial.
“Mesmo que o vínculo não tenha sido formalizado, a Justiça do Trabalho poderá analisar questões relativas a salários, condições de trabalho e direitos trabalhistas”, observou.
Por fim, a relatora ressaltou que, de acordo com o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva da Infância e da Adolescência da Justiça do Trabalho, o direito de adolescentes e jovens à profissionalização não passa apenas pela garantia contratual, mas se inicia muito antes dela.
Nesse sentido, devem ser garantidos os direitos básicos que possibilitem o acesso ao mercado de trabalho, como políticas públicas que protejam as crianças do trabalho infantil e permitam a capacitação de adolescentes.
A decisão foi unânime, e o processo agora retornará ao TRT para que prossiga o julgamento.
O processo tramita em segredo de justiça.