História grave e pândega em Brasília

In Artigo On
  • Guttemberg Guarabyra

Xuxa olhou em minha direção e, ao me ver, reconheceu-me e iniciou uma série de beijinhos, adeusinhos, pulinhos no banco de motorista, ao que respondi mandando beijos de volta.

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Tem dia que a história não cabe no papel.

Por exemplo, esta.

Num lindo dia de sol, quando morava no Rio, levei dois amigos que me visitavam para conhecer a praia de Grumari, que por sinal foi eleita essa semana a 38ª praia mais bonita do mundo.

No caminho, enfrentamos uma blitz, e um baseado foi encontrado dentro do maço de cigarros de um deles, que foi imediatamente preso, e, nós outros, convocados como testemunhas.

Pelo preâmbulo, já viram que a história é insólita.

Havia apelado várias vezes ao visitante que, apesar de ele ser daqueles que elegem o baseado como o melhor amigo entre os dedos, não o portasse quando estivesse em trânsito pela cidade.

De nada adiantou.

Meteram-no num camburão.

Um dos PMs assomou o banco do carona em meu carro, e lá fomos nós, camburão à frente, para o distrito policial.

No caminho, passando pelo estirão da estrada de São Conrado, um carro atrás de mim sinalizava insistentemente com o farol alto e dava seta pedindo ultrapassagem. Um carro à minha direita impedia-me de dar passagem.

Olhando melhor pelo retrovisor, avistei o que se assemelhava ao cano de um fuzil saindo de uma das janelas do carro.

Só faltava agora tratar-se de um bonde de milicianos, e cismarem com minha cara justo no momento em que transportava um inimigo.

Mal havia ultrapassado o veículo à minha direita, dei seta mostrando que abriria a tão solicitada passagem. Porém o carro do cano de fuzil imediatamente veio pela direita em alta velocidade, e me ultrapassou dessa forma irregular mesmo.

Ao cruzar comigo, o motorista mal-encarado despejou-me uns impropérios, mas graças aos céus, seguiu em frete.

A caminhonete de luxo que vinha atrás dele o seguiu e iniciou idêntica ultrapassagem pela direita.

Daí pude observar que mais um veículo, também com um cano de arma saindo pela janela, faria o mesmo percurso, e entendi tudo.

Tratava-se de dois carros de escolta protegendo entre eles o carro de luxo.

Quando o carro de luxo, fazendo a ultrapassagem, emparelhou comigo pude ver quem o dirigia.

Xuxa. Ninguém menos do que a absoluta estrela do Brasil naquele momento, era a protegida.

Frequentei vários programas da moleca linda gaúcha, desde que era contratada da antiga TV Manchete.

Xuxa olhou em minha direção e, ao me ver, reconheceu-me e iniciou uma série de beijinhos, adeusinhos, pulinhos no banco de motorista, ao que respondi mandando beijos de volta.

Passado o episódio, enquanto o comboio sumia em frente, o PM ao meu lado, acho que ainda sem entender o que havia presenciado, pediu que fizesse sinal ao camburão que seguíamos.

Aí foi minha vez de dar farol alto. O camburão atendendo ao sinal estacionou no acostamento. Saltou de lá um meganha e encontrou-se com o que me escoltava. Confabularam, e em seguida, milagrosamente nos dispensaram. Santa Xuxa.

Foi um alívio e tanto. Mas a história até aqui, apesar de insólita, ainda cabe no papel.

Começa a não caber ao revelar quem era o outro amigo de quem até agora não fiz nenhuma menção, e que assistia ao desenrolar do caso quieto, calado, e certamente muito preocupado.

Uma história grave e ao mesmo tempo pândega agitava Brasília naquele momento do governo Collor. O caso estava em todas as rádios, tevês, revistas.

A primeira-dama, era o que dizia o escândalo, traía o presidente.

E o digníssimo candidato a corno, indignado, contavam as más línguas, caçava o traidor, que teve de escapulir da capital e esconder-se em algum lugar.

Em minha casa, no Rio.

Depois que o camburão foi embora, aliviados, comentávamos o que aconteceria se, no distrito policial, ao nos identificarmos, descobrissem que o homem que o Brasil procurava e queria saber quem era, cuja procura estava em todas as capas de revistas, era o nosso companheiro calado, que assistira ao episódio do flagrante sem dizer palavra.

Infelizmente vou ter que parar por aqui. Há histórias que não cabem no papel.

 

Música do dia.

 

 


  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

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