Encontro Marcado

In Artigo On
  • Guttemberg Guarabyra

Mas não haverá nada a reclamar se em BH houver um franguinho com quiabo. Em Curitiba um barreado. E em Floripa frutos do mar.

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Hoje amanheci com uma dorzinha chata no joelho esquerdo. Pra quem já vinha com o direito em petição de miséria, a novidade não foi nada boa.

No último show, em BH, o uísque salvou-me das duas horas em pé. Não fosse ele, não sei se conseguiria entrar naquele estado hipnótico que me assalta quando começo a cantar.

A chave da porta de entrada desse estado de espírito não surge de forma instantânea, não aparece nos primeiros acordes. É preciso aguardar um pouco a mente rastrear as ondas sonoras e equilibrar, por um indescritível milagre que se repete a cada apresentação, seu toque de violão e o tom de sua voz ao conjunto da harmonia.

Tudo ajustado, é hora de se abstrair e tocar quase sem sentir o que está acontecendo.

O mundo nesse momento some. Não há plateia, embora esteja lá. Não há orquestra, embora seja nela que meu espírito repousa. É como dormir numa cama flutuante no embalo daquele mar.

Falo ‘daquele’ mar porque há um mar específico que me navega nessas horas. Um mar de quando era criança.

Que me desculpem os amigos sertanejos que comigo pularam do cais, que juntos pescamos mandins e enchemos a linha de piranhas. Embora eu tenha nascido bicho de rio, quando invado o mundo oculto da música, por primeiro vem-me o mar.

Talvez porque na praia do Zumbi, no caisinho do Jequiá, no tempo em que o mar da Ilha do Governador ainda era puro de águas e de perfume, dava pra ver, lá no fundo, as estrelas, e isso grudou no meu coração com cola que nem Deus sabe desgrudar.

Mas bastou falar em estrelas e logo vi as luzinhas no firmamento sertanejo do tempo em que a luz elétrica ainda não as ofuscava. Uma vastidão de estrelas que também se chama mar.

No fim, essas lembranças são todas mares pra se nadar às braçadas; e eu vou longe neles.

De volta aos joelhos, comprei um aparelho chinês que a gente encaixa na rótula e ele aperta e desaperta, numa espécie de massagem, enquanto emite luz infravermelha.

Tenho sentido melhora. Mas ele só funciona no joelho direito. Aliás, nem sei se funciona no outro porque essa dorzinha esquerda é nova.

Sobreveio-me ontem pela primeira vez.

Era noite. Logo depois do Jornal Nacional fui ao violão tirar uma música do Venturini, que entrará no nosso Encontro Marcado, cuja volta pós pandemia nos recolocará nos palcos de BH, Floripa e Curitiba nesse mês que se abre hoje.

Baixei pra sacar o violão do pedestal e ela surgiu sem aviso.

Antigamente se dizia, talvez ainda se diga até hoje, quando a gente sentia uma dor assim, que deu pra ver estrelas. (Lá vem as estrelas novamente. Hoje em minha cabeça só dá céu).

Mas não haverá nada a reclamar se em BH houver um franguinho com quiabo. Em Curitiba um barreado. E em Floripa frutos do mar.

 

Músicas do dia.

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

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