Por Marli Gonçalves*
Em quem acreditar, sem duvidar? De um lado, estamos como ilhas cercadas de golpes por todos os lados. De outro, aí já bem esquisito, os cabeças-duras achando que tudo é ideologia, muitos sem nem saber o que é ideologia, numa adoração desmedida e desinformada onde estacionam. Tudo causa dúvidas e a informação sempre parece truncada. E a expressão do ano: brain rot, cérebro podre.
O cérebro está mesmo na Ordem do Dia. As intervenções cirúrgicas que ainda foram necessárias ao presidente Lula depois da nada pueril inicial queda no banheiro, quase dois meses atrás, enquanto cortava as unhas dos pés, dominou a semana. Porque é o presidente. Porque precisou de internação de emergência e transferência para São Paulo numa madrugada. Porque as informações saíram em conta-gotas da porta do hospital e quem as forneceu foi um cardiologista. Porque demorou muito e apenas há pouco na tarde da sexta-feira, 13, quatro dias depois, finalmente surgiram imagens – até um vídeo. Para acalmar ao mercado? Aos brasileiros? Vai saber. Tanta pressão houve sem que mostrassem, como informado todos os dias, de Lula cuidando do país, cheio de apetite, lépido e conversador, saindo da UTI e andando pelos corredores do Sírio Libanês, recebendo filhos e netos onde ficou apenas em companhia dia e noite de uma “controladora” Janja. Janja que, aliás, antes, publicou uma foto sorridente ao lado de Lula, mas antiga, para mais água na fervura que se levanta de tudo quanto é lado contra sua influência e que deve até derrubar um ministro nos próximos dias. Bastidores agitados.
Pimenta pura. Uma junção de fatos que, por mais verdadeiros que fossem, fizeram a festa nas redes sociais. Pulularam memes, deepfakes, entre votos de recuperação e muitos de que “morra logo”. Não há mais vergonha, a situação é aberta, cruel, terrível, podre. De embrulhar estômagos sensíveis. Mas, enfim, não sei o que foi melhor: lembrar das cenas dantescas do ex-presidente anos anteriores quase mostrando entranhas também não é legal.
Não é por menos que a Oxford University Press anunciou a Expressão do Ano: “brain rot”, ou “brainrot”, ou “brain-rot”. O cérebro apodrecido, numa tradução mais literal, a condição de redução da capacidade de atenção e declínio cognitivo resultante de uma excesso de tempo nas telas, nas redes sociais; confusão mental, letargia. Um pouco de burrice total, preguiça de pensar, na minha tradução mais real. Gente para a qual a informação precisa passa a não ter qualquer valor; aceita só o que quer ver e ouvir, não aceita contradição. Ninho de criação de negacionistas, de radicais, de exércitos de cegueira intelectual e adoradores de ditadores.
Tudo confuso e nós, os comuns, no fundo sem saber mesmo, no fundo, em quem acreditar, cercados de tubarões em luta pelo poder; ou pela glória divina; ou querendo vidas milionárias obtidas em cima dos coitados ou apenas meros e iludidos trouxas.
Lembrei muito esses dias de 1985, dos plantões diante do Incor, em São Paulo, para onde o presidente Tancredo Neves foi transferido e passou por uma longa e penosa internação, sobre a qual as informações eram ou rareadas ou mentirosas, obrigando que buscássemos fontes extraoficiais e furos jornalísticos, e que acabavam sempre contradizendo as versões, mostrando-as como meias verdades até o fim da agonia. Coisas que, posso estar enganada, não vimos agora. Só as engolidas notas, repetidas, vindas do cercadinho que instalaram na porta do hospital, uma ou outra coletiva rápida tentando simplificar procedimentos médicos complicados. Até que surgiu a publicação inquestionável do vídeo de Lula quase correndo pelo hospital, animadíssimo. Que bom desfecho.
Margens para dúvidas, no entanto, temos para tudo, mesmo. No caso atual, até creio que estamos em novos tempos e nem se ousaria tentar dourar esta pílula. Mas na economia estremecida, o tal mercado aproveitador. Dados positivos que derrubamos conferindo os preços nos corredores dos supermercados. Índices que flutuam, subindo e descendo como as ondas do mar. Um Congresso aproveitando e aprovando de última hora coisas bem esquisitas, e ainda com muitos jabutis anexados nos galhos.
Fim de ano chegando e acabamos duvidando até dos planos de praxe que nossos cérebros tanto sonham.
MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano, Coleção Cotidiano, Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.
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