Marli Gonçalves*
Bem sei o quanto tema é o que não falta neste nosso Brasil, nesse nosso mundo, planeta, Universo. Alguns só para citar aqui e ali, conversa de botequim, de tempo, de oi no elevador. Ou são muito chatos. Ou baixo astral. Ou, ainda, algum tema sobre o qual fica difícil opinar sem tomar bordoadas de uma ou outra direção nesse país dividido, e quando se tem uma opinião divergente das correntes.
Um amigo escritor acaba de me escrever, respondendo se iria me mandar artigo para publicação no nosso site Chumbo Gordo, e sem querer acabou foi me apresentando um personagem que adotei para o meu próprio imaginário: a fada do tema. Na resposta, ele dizia não acreditar em fadas que o fizessem escrever, pelo menos não agora, hoje. |
Mas eu acredito em fadas, embora elas não puxem meu enorme dedão do pé como fazem os duendes da Xuxa. Mas para você acreditar também, preciso que pare para pensar o quão difícil é escrever, aliás escolher sobre o que escrever, assombroso drama dos cronistas, articulistas e colunistas, alguns tendo de produzir genialidades com frequência até bem maior do que a minha, que planejo como hábito sempre uma vez por semana, na sexta-feira. Temas existem, estão por aí à nossa volta, gritando em nossos ouvidos, muitas vezes sugeridos por leitores. Mas, e cadê a vontade de escrever sobre eles? É necessário que um bichinho seja ativado em nosso cérebro para que comecemos a batucar as pretinhas (olá, são as teclas!), como costumamos chamar em jargão de imprensa. Não é fácil não. |
Como começar, por onde começar, para onde levar palavras, pensamentos, opiniões, informações. Lembro que nos tempos de redação no Jornal da Tarde – e as redações de jornal ainda eram lugares amigáveis – quando tínhamos algum desses apagões de por onde começar chamávamos um amigo para brincar de “Stop”, lembra qual é? Aquela que a gente fica pensando no alfabeto, a, b, c, d… até que o Stop! interrompa. A letra que saísse era como começaria a reportagem ou a notícia que redigíamos. Sempre dava certo. O problema era quando caia em “X”, “Y”, “Z”, “W”, mas sempre dávamos um jeito. Se precisar de inspiração para começar, use essa dica. Especialmente se não acreditar em fadas. |
Escrevo, religiosamente toda semana desde outubro de 2008, e o que dá até agora mais de 750 artigos e crônicas que, publicados em sites e jornais de todo o país, replicados pelos queridos leitores, já contemplaram toda sorte de temas, de comportamento, cotidiano, liberdade, imprensa, luta das mulheres e em alguns anos, como os últimos quatro que se passaram sob o comando do ser estranho, a política foi o tom. Nem sempre é possível buscar a suavidade, a ironia ou o humor exigido pela crônica, esta forma que exige alguma leveza, tema e título atraente que te chame para seguir junto comigo o pensamento. |
Precisa de certo bom humor, que não é bem o cotidiano de quem batalha diariamente pela sobrevivência. Precisa de energia e saúde – e o que nestas duas últimas semanas não está sendo bem o caso. Tosse não ajuda. |
Eu estou, e pelo que sei, junto com mais por aí uma torcida do Corinthians, estamos todos acometidos de uma coisa, mudança de estação, tempo seco, planeta doido, e que não é gripe, não é Covid, mas traz uma insuportável tosse seca (que nos acorda para acontecer também de madrugada), pega a garganta, detona a voz. Até falar ao telefone vira tarefa hercúlea. |
Tudo isso explica porque esta semana apelei mesmo foi para a fada do tema. Escrever de novo sobre os movimentos erráticos de Lula, ou do seu antecessor que pula fogueiras para fugir das responsabilidades de tudo e tanto o que aprontou? Sobre a escalada da violência urbana que tem dias dá medo até de chegar na janela? Sobre a impunidade que nos assombra, a miséria do descompasso social, os feminicídios que se multiplicam? Sobre este perigoso centralismo de decisões que têm escorrido da Justiça e que um dia pode se virar contra todos nós? Sobre guerra? Sobre a ignorância e escalada de moralismo hipócrita? De novo? |
Hoje não. Me deixa melhorar, ao menos parar de tossir. Aliás, há alguns autores que garantem que a tosse – na linguagem do corpo – pode ser sinal de uma raiva que “não sai da garganta”. Pensa aí o quanto esses assuntos nos assombram, nos fazem mesmo muito mal. Tanto que muitas vezes não conseguimos nem falar sobre eles. Muito menos escrever. |
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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