Fita amarelo-ouro

In ABCD, Artigo On
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  1. Por Guttemberg Guarabyra*

– … Sabe o que mais? Não acho que devo mudar minha vida trocando meu mundo atual para partilhar de outro com você.

– Mas eu não estou pedindo que você troque de vida.

– Sei que não está. Ao mesmo tempo, porém, acho que um dia isso terá de acontecer. Nós estamos ligados eternamente um ao outro. Eu sinto isso.

– Sabe que tenho a mesma sensação? Até sonhei outro dia que estávamos viajando por um lugar bonito e que nunca nos separávamos, porque estávamos atados por uma espécie de corda…

– Por uma fita!

– Uma fita? Engraçado, eu acho que era mesmo uma fita.

– Uma fita amarelo-ouro!

– Uma fita amarelo-ouro? Que chique! – disse sorrindo. Bem, pelo menos nossas vidas não estão amarradas por uma coisa qualquer. – Mas uma fita não é muito frágil?

– Claro que não. É uma fita larga, de seda resistente. E feita de muitos anseios, de muitas esperanças. Uma fita assim dura por uma eternidade. Sonhei igual.

– Nem brinca. Então não quero saber de tanta demora. Ou a gente resolve agora ou fim de papo.

– Olha, eu gosto muito de você…

– Eu também de você.

– Até essa história de que alguma coisa invisível nos une eu acho que é verdade. Às vezes, ainda que eu tenha muito medo, me vejo pensando que poderíamos realmente juntar nossos mundos. Mas…

– Acho que daria uma ótima mistura.

– Por quê?

– Porque já estivemos misturados antes. E eu desconheço duas essências que, misturadas uma vez, não possam ser misturadas de novo.

– Quem sabe nossas fórmulas, nesse tempo em que passamos separados, não tenham sido alteradas? Quem sabe não nos transformamos em outra coisa e hoje nossas moléculas não se combinem mais?

– Bem, pela maneira como resiste estou chegando à conclusão de que não quer mais saber de mim. Sendo assim, por que concordou com este encontro?

– Ora, porque estamos amarrados. Já se esqueceu?

– Tá certo. Por isso mesmo não entendo o que viemos fazer aqui se não foi para assumir isso e tentar de novo.

– Acontece que tenho medo. Temo que nossos mundos já não possam mais ser misturados.

– Queria tanto que pudessem.

– Eu também.

– Vem cá, deixa ver sua mão. Sabia que essa linha aqui é a da emoção?

– Achava que era. Mas nunca dei importância. O que você vê nela?

– Não entendo muito disso. Só que é tão forte, tão marcada, tão profunda, que tive de reparar.

– Como é a sua?

– Não tão especial, veja.

Permaneceram assim, de mãos dadas, olhando-se, sentindo o calor mútuo e experimentando a sensação de que uma nova vida surgia bem ali à frente. Lentamente, aproximaram os rostos. De perto, reconheceram-se no olfato, no calor da pele, embora houvessem estranhado um pouco o beijo rápido e inseguro. A felicidade, porém, estava ali. Não poderia ser uma armadilha, não tinha jeito de embuste, erro.

– Desencana que a vida engana!

Imediatamente pararam de devanear e caíram na gargalhada ao relembrarem a frase que haviam pichado juntos no muro da faculdade.

Logo, os sorrisos foram se dissipando. Olharam-se bem nos olhos. A noite ameaçava cair.

– Tenho que ir.

– Eu também.

– O que você propõe?

– Nada. Mas não tenho mais medo. Acho que a fita que nos envolve é muito forte.

– E muito bonita.

– Amarelo-ouro.

– Amarelo-ouro.

À beira da calçada, diante das primeiras luzes dos carros brilhando no lusco-fusco, observou a mão dando adeus pela janela do ônibus que se afastava. E enxergou, desde aquele adeus até o seu, aquela amarra que os unia para sempre. Estavam, quisessem ou não, ligados eternamente. Pela vida, pela emoção. Pela fita amarelo-ouro.

Lentamente, o ônibus subiu a avenida, misturou-se ao mundo de luzes em movimento. E desapareceu.

Música do dia

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Francisco, Interior da Bahia, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro, cronista de ABCD REAL, publica, às segundas e sextas-feiras crônicas de seu livro “Teatro dos Esquecidos” e outras.
  • O livro pode ser adquirido pelo https://editorathoth.com.br/produto/teatro-dos-esquecidos/106
  • Esta crônica, por exemplo, “Fita amarelo-ouro” , está nas páginas 113, 114 e 115 dessa publicação imperdível, do mesmo nome.
  • Entre os maiores sucessos de Guarabyra como compositor e cantor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra Vez na Estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá), “Espanhola” (com Fávio Venturini), “Dona” e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas publicadas na grande imprensa, entre elas, em conclusão, o Diário Popular.

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