Atividade marcou Dia do Capoeirista (3 de agosto) e buscou chamar atenção de prefeituras da região para essa tradição ancestral do povo preto
Na noite de quinta-feira (24.08) cerca de 50 mestres e contramestres de capoeira foram homenageados pelo Consórcio Grande ABC, que reúne representantes das sete cidades da região.
A inciativa foi do grupo de trabalho que discute a igualdade racial no ABCD, capitaneado por Mestre Pelé, capoeirista de Ribeirão Pires.
A cerimônia reuniu cerca de 100 pessoas na sede do Consórcio, em Santo André.
“Nosso objetivo é fortalecer a capoeira na região e incluir a capoeira nas políticas públicas municipais,” explicou, em resumo, Mestre Pelé.
“A capoeira é uma atividade que pode ser trabalhada na Cultura, na Educação, em Esportes, na Inclusão, na Assistência… Então é importante que as prefeituras vejam isso, vejam que existem capoeiristas em sua cidade, conheçam os mestres, sua história. A capoeira foi criada como uma luta pelos negros, mas é uma verdadeira ferramenta de desconstrução do racismo”, disse, por exemplo.
Diálogo com a sociedade
O secretário do Consórcio e ex-prefeito de Diadema, Mário Realli, abriu os trabalhos afirmando que o Consórcio é justamente o espaço para dialogar com a sociedade da região e “colocar assuntos na roda” – e era isso que estava acontecendo ali naquela noite.
“Hoje é um dia de homenagem, mas também é um dia de luta,” afirmou, acima de tudo.
Após uma execução do Hino Nacional acompanhada por berimbaus e uma intervenção artística dos capoeiristas Messias Beiço e Bruno Capoeira, do Coletivo Gingaê Cultural, a programação iniciou-se com a palestra “Este fenômeno chamado capoeira – Cultura, Educação e Esporte no Século XXI”, ministrada pelo Professor Mestre Valdenor, presidente da Federação Paulista de Capoeira.
Mestre Valdenor fez um ampla análise do atual estado da capoeira no país e no mundo, ressaltando a expansão da capoeira na Europa e a unificação das regras da capoeira esportiva seguindo o estilo Regional para competições (ficando a capoeira Angola resguardada como baluarte da tradição e sob a guarda dos mestres e dos festivais).
“O ritual da capoeira é sagrado e deve ser preservado,” apontou o mestre.
E disse mais: “Mas se quisermos difundi-la como arte marcial é preciso que as federações todas entrem em um consenso, joguem pelas mesmas regras, para que campeonatos nacionais e internacionais possam ser realizados em pé de igualdade para todos os jogadores. E isso está acontecendo.”
Resgate
Mestre Valdenor fez um longo resgate da história da capoeira desde a escravidão, passando pela abolição, as diferenças do fim da escravidão nos Estados Unidos e no Brasil, o crescimento e a instrumentalização do racismo estrutural desde Gobineau até os dias de hoje e de como a polícia militar foi contra a capoeira desde Tobias de Aguiar, em 1831, antes mesmo da abolição.
E, também, de como a capoeira pode ajudar a desconstruir esses preconceitos: “A capoeira na escola ajuda a descolonizar a escola,” resumiu ele.
Mestres de Diadema
Dentre os homenageados, 17 Mestres eram de Diadema, selecionados pela Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (CREPPIR).
Ali estavam personagens históricos da Capoeira na região, como Mestre Cebolinha, 62, na capoeira desde os 12, discípulo direto de Mestre Geni, que fundou a capoeira em Diadema junto com seu irmão Roberto.
Os irmãos, que vieram de Salvador, haviam sido alunos de Mestre Bimba, simplesmente o fundador da primeira academia de capoeira do mundo.
“Diadema começou bem,” relembrou ele. “O Roberto, principalmente, era um grande capoeira, um dos últimos formados por Mestre Bimba. Eu não tinha dinheiro para fazer as aulas, mas ia lá assistir. Quando eu conseguir juntar dinheiro para me matricular, Geni e Roberto já tinham voltado para a Bahia, mas eu estudei com alunos que tinham ficado. Passei por várias academias, inclusive a do Mestre Silvestre, abri a minha ali no final da Rua Graciosa e trabalhei muito com capoeira esses anos todos.”
Sobre a popularização da capoeira, ele aponta pontos positivos e negativos. “A divulgação do jogo de capoeira e da cultura afro-brasileira é um ponto positivo, claro. O negativo é que perde-se um pouco do cerimonial da coisa, da relação íntima entre mestre e discípulo. É muita gente praticando, classes inteiras, turmas de academia, gente que entra e sai a todo momento, sem se aperfeiçoar de verdade. Mas como política pública, para que as pessoas descubram e conheçam a capoeira, para depois correrem atrás, super funciona.”
Mestre Da Lapa e Mestre Magoo, também de Diadema, estavam lá para receberem suas homenagens. “É muito importante esse momento, é sinal de que a capoeira subiu de patamar no ABCD,” resumiu Mestre Magoo. “Não é mais uma prática escondida, pelo contrário, estamos sob os holofotes. E isso é uma vitória não só para nós capoeiristas, mas para toda a sociedade. Pois nós formamos pessoas, e muitos ainda estamos atuando.”
Magoo trabalha a capoeira, por exemplo, desde 1984 com crianças, adultos, idosos e pessoas com deficiência e vê essa união de capoeiristas de toda a região como o caminho a ser seguido.
“O capoeirista hoje busca uma formação acadêmica e agrega todas as condições de levar a capoeira muito mais longe, tudo isso sem perder de vista suas tradições. Capoeira é Esporte, é Cultura, é Educação. E é História. É a história do povo de Diadema”, afirma, em conclusão.
Os homenageados:
Mestre Da Lapa
Mestre Maurinho
Mestre Cebolinha
Mestre Pitbu
Mestre Sergio
Mestre Magoo
Mestre Paraíba
Mestre Pernalonga
Mestre Jacaré
Mestre Aluano
Mestre Azeitona
Mestre Pica Pau
Mestre Geraldo Baiano
Mestre Schumacher
Mestre Lelé
Mestre Piloto
Mestre Elio do Berimbau