Joaquim Alessi
Em contraponto ao verso histórico de um de seus grandes parceiros, Mestre Cartola, Hemínio Bello de Carvalho criou há poucos dias, mesmo sem querer, outra poesia genial.
Cartola, muita gente sabe, cantou que “as rosas não falam, simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti, ah”.
Mas, se as rosas de Cartola não falam, as reticências de Hermínio falam, e muito, e exalam poesia.
Neste domingo, 17 de julho, encerrado o espetáculo (literalmente falando) “Cataventos”, com o Bello Hermínio e mais quatro artistas maravilhosos (Alaíde Costa, Áurea Martins, Vital Farias e Ayrton Montarroios), fomos ao “foyer” do Teatro Paulo Autran, a fim de pedir um, ou melhor, dois autógrafos em sua mais recente, e belíssima, obra: “Passageiro de relâmpagos: Crônicas e perfis inexatos”.
No primeiro exemplar, ele escreveu, gentilmente, à Rosana e a mim: “Nana e Quim, obrigado pelo carinho.” Datou e assinou.
Entreguei o segundo exemplar e pediu para que autografasse para a Julia e o Rudá (meu filho).
Hermínio escreveu: “Rudá e Julia, obrigado por…” E nesse ponto, eu, emocionado, desembestei a explicar o nome do Rudá.
Disse ao poeta genial que a Nana e eu somos apaixonados por Oswald de Andrade. E que o Rudá é uma homanagem a Oswald e Pagu (Patrícia Galvão, jornalista maravilhosa, de Santos), já que eles tiveram um filho chamado Rudá de Andrade.
Continuei a falar, sabedor da paixão de Hermínio por outro modernista, Mário de Andrade.
Brinquei com o fato de o autor da orelha do novo livro ser o jornalista Ruy Castro, que tem uma certa cisma com os líderes da Semana de Arte Moderna de 22.
E vive dizendo que moderno, em 22, já era o Rio, não São Paulo. Uma percepção, clara, de um carioca da gema…
Já falei sobre isso com Ruy em uma entrevista por telefone, em 2022, quando ele lançou “Metrópole à Beira Mar”, mas, são outras águas.
Fui falando, e, de repente, Hermínio para e pergunta: “Ele (Rudá) é apaixonado pelo Oswald”?
Respondi: “Também, mas nós somos mais”.
E Hermínio olhou para o infinito: “Desculpa, esqueci o que iria escrever. Perdão”.
Disse que ele não tinha nada que perdir perdão. E o poeta, jornalista, escritor simplesmente acrescentou após o “obrigado”: abriu os parênteses, colocou os pontos das reticências, fechou os parênteses.
- Olhou de novo, como a perguntar o que fazer, e eu disse simplesmente: “Só assina, está perfeito”.
Sua mulher, assim que saímos de lá, também pediu desculpas, contando que ele apresenta “os primeiros sinais” de um problema neurológico.
Nada de que se desculpar, dissemos.
Saí arrasado por ter interrompido seu racicínio, mas depois feliz ao abrir o livro do Rudá e da Julia e entender que as reticências dizem muito.
Como ele mesmo escreveu em outra célebre canção que criou com Paulinho da Viola para exaltar a Mangueira, “pra se entender, tem que se achar, que a vida não é só isso que se vê, é um pouco mais.
Para se entender suas reticências, tem que se achar que a vida não é só isso o que se lê, é muito mais. E não tem explicação.
Obrigado, Bello Hemrínio.