Por Dr. Gilberto Ferlin*
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) manifesta-se na infância e persiste na adolescência e vida adulta. Na maioria dos casos, os sintomas surgem nos primeiros cinco anos de vida e as pessoas afetadas pela condição podem ter circunstâncias comórbidas, como epilepsia, depressão e ansiedade. Já o nível intelectual pode variar muito de um caso para outro, desde comprometimento profundo até casos com altas habilidades cognitivas.
Os indivíduos com TEA têm como uma de suas principais características a falha na comunicação social, não apenas verbal, mas também não verbal, como o olhar perdido sem expressão; não se aconchegar no colo da mãe quando bebê ou não solicitar a atenção dos cuidadores, seja sorrindo ou chorando; não compartilhar atenção e interesse com os outros nem com os pares de idade, entre outras.
Padrões repetitivos de comportamento e interesses restritos também são características importantes. Podem, da mesma forma, apresentar questões sensoriais, como, por exemplo, a rejeição ao toque, intolerância a texturas, irritação ou agressividade com determinados tipos de sons em intensidade (volume) não tão elevados etc.
Por outro lado, os deficientes auditivos podem apresentar falhas na comunicação por não ouvir. Assim não respondem a chamados e, dependendo do grau da perda de audição, podem apresentar muitas dificuldades para desenvolver a oralidade e se comunicar de modo oral/verbal, mimetizando em avaliação superficial, o comportamento autístico.
Ambos, deficientes auditivos e TEAs, apresentam dificuldades na comunicação verbal que é justamente um dos primeiros sintomas notados pelos cuidadores, quando a linguagem não evolui de forma esperada e a fala atrasa para surgir, tornando evidente que algo não está de acordo com a evolução típica da criança. Vale ressaltar que não há relação direta entre o transtorno do espectro autista e a deficiência auditiva, ainda que possam coexistir em um mesmo indivíduo, prejudicando seu desenvolvimento.
Pacientes com TEA, mesmo com audição normal, podem não responder ao chamado pelo seu nome, nem dar atenção aos sons ao seu redor, podendo ser confundidos, por isso, com deficientes auditivos. Responder ao chamado do nome e às conversas de modo não verbal são características que devem estar presentes por volta do primeiro ano de vida. Se ausentes, configuram sinal de alerta para possíveis alterações no desenvolvimento infantil.
Por esse motivo, é fundamental realizar o diagnóstico audiológico, permitindo avaliar e quantificar a audição de forma consistente, ainda dentro do primeiro ano de vida, principalmente em crianças com atraso de fala e em investigação para diagnóstico diferencial do TEA. Quanto menor a criança, aliás, mais importante é o diagnóstico audiológico, tornando possível a diferenciação entre outros possíveis diagnósticos.
Vale lembrar que o exame de triagem auditiva neonatal, obrigatório nas maternidades, por se tratar de exame de triagem, não exclui todas as possibilidades de déficit auditivo infantil, visto que existem, por exemplo, condições de saúde que evoluem com perda de audição progressiva a partir do nascimento, entre outras. Por isso, um profissional deve ser consultado tão logo haja suspeita sobre uma dificuldade auditiva na criança, principalmente se associada ao atraso na fala.
Uma vez estabelecido o diagnóstico audiológico com déficit auditivo, pode ser necessário o uso de aparelhos de amplificação sonora individual de diversos tipos, até o implante coclear, a depender das características da perda auditiva encontrada. Isso também vale para a terapia fonoaudiológica. Da mesma forma, pode também ser necessário intervenções da equipe multidisciplinar, com psicoterapia e terapia ocupacional.
Em resumo, é preciso avaliação e cuidados individuais para cada caso, visto que cada indivíduo apresenta sua combinação singular de prejuízos e potencialidades, que podem ser bem estabelecidas a partir da avaliação de um otorrinolaringologista com subespecialidade em foniatria e de um especialista em comunicação humana e seus distúrbios.
Com a avaliação foniátrica, é possível formular diagnóstico diferencial dentre os vários distúrbios da comunicação, minimizando ou mesmo evitando consequências no desenvolvimento cognitivo e na aprendizagem. No caso do TEA e da deficiência auditiva, onde um diagnóstico não necessariamente exclui o outro, essa investigação é fundamental. A busca do diagnóstico etiológico pelo otorrino foniatra otimiza o trabalho terapêutico da equipe multidisciplinar multiplicando os benefícios para o desenvolvimento do indivíduo.
* Dr. Gilberto Ferlin e otorrinolaringologista e foniatra no Hospital Paulista