XIXI DE FIM DE VIAGEM

In ABCD, Artigo On

Guttemberg Guarabyra

A moça que guardava o portão de acesso ao saguão de esteiras de bagagem ouviu-me, sacou do rádio e requisitou um agente da segurança.

Saltei do avião e, antes de pegar a mala na esteira, fui fazer um necessário xixi.

Ir ao banheiro em avião, pra quem gosta de sentar-se à janela, é uma chateação.

Pedir licença e passar pelo apertado dos joelhos, às vezes é bem complicado, dependendo do comprimento do fêmur dos passageiros ao lado.

De modo que o melhor é esperar, quando dá, o fim da viagem.

Como os mictórios estavam ocupados, passei ao reservado do sanitário.

Tudo na mais perfeita rotina de quem alivia o xixi de fim de viagem em dezenas de aeroportos todos os anos.

Até que notei a valise.

Alguém havia esquecido na prateleira alta, acima do sanitário, uma valise preta protegida por duas fechaduras de segredos numéricos.

Se houve tanto cuidado em se adquirir uma rara valise, ou, como se costuma chamar hoje esse tipo de maleta reforçada, um raro case com dois segredos, ali havia algo de valor.

Não me atrevi a tocar nela.

Ao sair procurei um funcionário e comuniquei o que havia descoberto.

A moça que guardava o portão de acesso ao saguão de esteiras de bagagem ouviu-me, sacou do rádio e requisitou um agente da segurança.

Resgatei minha bagagem, mas sempre de olho na saída do banheiro, a ver se outra pessoa, ao topar com o mesmo achado, sendo mais curiosa do que eu, resolvesse encaminhar o objeto à segurança de sua casa, e não a do aeroporto.

Minutos depois vi um agente fardado dirigir-se à funcionária do portão e, após uma breve conversa, seguir em busca do objeto.

Ao sair rebocando minha mala de rodinhas pelo saguão, vi o homem fardado, andando a passos largos, calçando botas de serviço (desconheço por que motivo prestei tanta atenção ao coturno), segurando firmemente a valise.

Lancei-lhe um sorriso, ia dizer que tinha sido eu quem havia feito o comunicado, mas desisti.

Tomei o táxi, em Confins, e segui para Belo Horizonte.

No caminho , achei que deveria ter protocolado o fato, a fim de acompanhar o caso, ou, no caso, o case.

Queria certificar-me de que havia encontrado o dono.

No hotel, ainda pensava no assunto. Não tinha nem sequer como provar que havia encontrado a maleta protegida por segredos e mistérios. Devia ter fotografado.

Desse dia para cá acrescentei mais uma ação à rotina de fim de viagem.

A cada vez que salto de um voo, além do velho xixi de sempre, tenho que resistir à tentação de abrir a porta do reservado e olhar a prateleira a ver se lá não esqueceram nenhum outro enigma.

No fundo, sei que jamais conseguirei me livrar da frustração de não saber o destino do achado.

É como interromper um filme sem saber o fim da história.

De vez em quando acordo, e o caso, o case, a maleta, o segredo, o mistério está presente em meu pensamento.

Incomoda.

Eu devia ter fotografado.

Música do dia

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

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