Guttemberg Guarabyra
Só sei que permaneci sentado à mesa quando Caetano Veloso se despediu e, sorrindo, proferia para a numerosa plateia de amigos a sentença.
“Gut não gosta de dinheiro!”
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Gut é meu apelido. Os amigos mais chegados usam essa abreviatura de Guttemberg para me identificar.
Isso está claro. Só falta esclarecer os meandros da afirmação.
Quando abandonei a Globo, onde fazia direção musical de um de seus maiores eventos, muitos amigos vieram me alertar de que estava jogando fora um futuro endinheirado, já que não só recebia um bom salário como também as perspectivas de uma carreira com excelentes ganhos financeiros era mais do que certa.
Mas não dava para permanecer num local em que a ditadura havia provocado brechas morais que só poderiam ser aceitas se eu me acovardasse. E manter-se fiel a convicções não tem preço.
O mesmo aconteceu quando abandonei uma das maiores agências de publicidade em que exercia idêntica função.
O salário era tão alto que, no tempo do uso intensivo de cheques, poucas vezes conferia o canhoto em que anotava o saldo.
A agência havia desrespeitado os direitos autorais de um criador, e evidentemente me coloquei ao lado do desrespeitado.
Mais uma vez tive que ouvir dos amigos a mesma advertência. Estava jogando uma rica oportunidade fora.
Ora, sabemos como dinheiro é importante. Mas igualmente temos ciência do quanto uma consciência em paz é um bem precioso.
Não foram poucas as vezes em que me vi na situação de até ter que pedir empréstimo por ter usado meu dinheiro para salvar de uma dificuldade financeira algum amigo ou parente dileto.
Embora nunca me arrependa, às vezes fico pensando se não deveria agir de outro modo.
Se não seria mais proveitoso ter um coração mais duro e mão menos aberta.
Devo avisar, no entanto, a quem se animou com minha fraqueza, que estou me referindo a uma época que já passou. Hoje, aos 74, estou bem mais cuidadoso com as finanças.
Porém só não me conformo de ter ouvido aquilo no bar barulhento dos anos 70, recordar-me perfeitamente da cena e nunca lembrar do contexto que causou a frase.
Só sei que permaneci sentado à mesa quando Caetano Veloso se despedia e, sorrindo, proferia para a numerosa plateia de amigos a sentença.
“Gut não gosta de dinheiro!”
Pior é que o futuro me faria ver que de certa forma estava certo.
Caetano é um profeta.
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Música do dia
- Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.
