De destino em destino

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Guttemberg Guarabyra

Quanto a Jorge Ben, depois de integrado ao ambiente tropicalista, e de arrebentar logo de cara no movimento com País Tropical, voltou a ser a grande estrela que jamais teria o brilho enfraquecido novamente.

Descia as ruas do bairro da Liberdade, em São Paulo, descrente do que Guilherme Araújo, empresário de Gil, Caetano e Gracinha, mais tarde chamada de Gal, cujo apelido, segundo o folclore da época, seria uma sigla para Guilherme Araújo Ltda, tentava me convencer.

Tentava me convencer de que a comida crua japonesa era uma iguaria sem par, embora mais tarde, quando vim a conhecê-la tenha ficado sabendo que na verdade era uma das escolas gastronômicas que mais apresentavam seus petiscos em par. Par de sushis, de temakis, ovas, etc.

Mas, brincadeiras à parte, era mesmo sem par. E, como muitos brasileiros mais tarde, ao prová-la e compreendê-la, também ficaria fã.

“Tudo é questão de se acostumar”, ensinava Guilherme.

Certa manhã, no tempo em que morei no célebre Solar da Fossa, pensão que abrigou, ou em que, pelo menos, por lá passaram 10 entre 10 artistas da geração dos 70, no Rio de Janeiro, Guilherme bateu à porta de meu apartamento.

Tinha ido visitar Rogério Duarte, designer, ilustrador, assim como ele um dos teóricos do movimento tropicalista. Como não o havia encontrado em seu apartamento, resolvera me visitar e fazer uma horinha a ver se Rogério aparecia.

Naquela manhã comentei com Guilherme que no movimento tropicalista, que não só rompia com modelos estéticos tradicionais em todas as áreas das artes, como também revalorizava expressões da cultura nacional que, apesar da excepcional importância, ou estavam à margem da mídia ou desvalorizadas pela elite como coisa brega, cafona etc., faltava Jorge Ben.

E acrescentei que Jorge acabava de ser integrado justamente ao elenco da gravadora que tinha todos os tropicalistas da música como contratados, e que Guilherme coordenava.

Dava a notícia em primeira mão, já que eu mesmo pertencia à gravadora tropicalista, mas que depois de ser boicotado por ela, e isso é uma história que ainda contarei aqui, havia acabado de ser trocado justamente por Jorge Ben, que dessa forma pôde também romper contrato com a gravadora a que pertencia e que não valorizava o que fazia.

A troca foi boa para ambos os lados. E a partir desse lance, vários destinos acabariam por se cruzar.

No meu caso, na nova gravadora o destino me levou a conhecer João Araújo, que trabalhava ali como produtor artístico e que acabaria por produzir meu disco. Muitos anos se passaram até que João criasse a Som Livre, que viraria uma das mais poderosas gravadoras brasileiras e se tornaria conhecido também como pai de Cazuza.

Quanto a Jorge Ben, depois de integrado ao ambiente tropicalista, e de arrebentar logo de cara no movimento com País Tropical, voltou a ser a grande estrela que jamais teria o brilho enfraquecido novamente.

E de destino em destino, a maneira como fui contratado por João Araújo para gravar na Som Livre me proporcionou cruzar com a estrela de outro predestinado.

Era um tempo que nós, a dupla Sá e Guarabyra, é que estávamos num período de isolamento. Sem contrato com gravadora, necessitávamos gravar alguma coisa urgentemente para que a mídia voltasse a veicular nossas músicas e nos destacássemos novamente no mercado.

Enquanto as coisas não corriam bem na carreira artística propriamente dita, a gente se virava fazendo jingles para publicidade.

Um desses jingles, cujo produto era divulgado por uma agência de publicidade carioca, me tirou de São Paulo, onde residia, para uma reunião no Rio.

No saguão de espera do aeroporto encontrei João Araújo.

No instante em que o vi e nos cumprimentamos efusivamente, meu cérebro percebeu a oportunidade de ser contratado pela Som Livre, que João presidia e, de improviso, comecei a elaborar um disco.

Fomos tomar um cafezinho, João perguntou a quantas ia minha vida, falei que estávamos sem contrato com gravadora, mas que tínhamos vontade de lançar um álbum cuja temática continuasse fiel à vocação para os temas voltados à defesa da natureza, mas com destaque para o mundo das águas do Rio São Francisco, meu lugar de origem.

João se interessou e me convidou a sentar-me ao lado dele no saudoso Electra da ponte Rio—São Paulo, que tinha fileiras de apenas dois lugares.

Eu havia notado que estava acompanhado de um rapaz, tímido, de posse de um violão protegido por uma capa de tecido, que, desde que iniciamos a conversa, permanecera à espera sentado na sala de embarque.

João comunicou ao rapaz, que me foi apresentado, que precisava acertar umas coisas comigo e pediu licença para que sentássemos juntos durante a viagem. O rapaz, muito tímido e muito simpático, acedeu com um sorriso.

No avião, após discorrer o plano completo do disco, João convidou-me para fazer parte do elenco de artistas da Som Livre. Daí nasceu o disco que contém Sobradinho, hoje tema de abertura da novela Mar do Sertão, na voz de Chico César.

Pouco antes do término da viagem, confidenciei a ele que, no momento da apresentação não havia entendido o nome do rapaz do violão.

Ao que me respondeu que ainda ouviria falar muito nele. O nome. Djavan.

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Música do dia

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

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