Triste lindo dia para falar neles

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Guarabyra e Celso Blues Boy
  • Guttemberg Guarabyra

Na minha idade, muitos amigos já se foram. Natural. Triste, revoltante, frustrante. Foram nossas últimas horas em companhia de Tavito.

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Não lembro onde encontramos a indicação do restaurante.

Havíamos desembarcado em Florianópolis um tanto cansados.

Aeroporto sempre desgasta. Mas não apenas ele. O desgaste se inicia na véspera, no preenchimento das malas.

Cuecas, meias, calças, camisetas, camisas… No nosso caso, artistas, não só a chamada roupa comum mas, ainda, o traje de palco, paletas, cordas de instrumento, apetrechos mil.

Mas, vistos e relatados, desembarcamos cansados mas não vencidos.

Fosse em outra época, quando os serviços de bordo ainda deixavam satisfeitos quaisquer estômagos aflitos, talvez nem estivéssemos à procura de um bom lugar para almoçar.

A realidade, porém, era outra. De toda forma, nem dava para reclamar. Nossas reuniões, chopinhos, ensaios, almoços, sempre foram momentos pra lá de felizes e muitas vezes até pândegos.

Tavito, Ricardo Vignini, Tuia e eu. O mestre, o imenso violeiro, o excelente intérprete da nova geração e o aqui chamado rock ruralista.

Aliás, nesse ponto éramos todos iguais, pois, adeptos do Rock Rural, vínhamos excursionando em uma turnê justamente em homenagem ao estilo.

Chegamos ao restaurante indicado.

A propaganda era boa, mas a localização e o aspecto não. Esperávamos algo à beira-mar ou pelo menos com vista para as ondas.

Pedimos ao táxi para aguardar. Dirigi-me até o pequeno sobrado. Estava ainda fechado. Abriria dentro em pouco, uma voz gritou lá de dentro respondendo ao meu bater de palmas.

Mesmo assim, empurrei a porta que se encontrava aberta e adentrei para explorar o ambiente.

Havia no ar um odor desagradabilíssimo. Voltei e avisei aos amigos que deveríamos desistir e partir para outra imediatamente.

Aí foi o deus dos sem rumo quem comandou o acaso e nos indicou o lindo, agradável, inesquecível bistrô com vista para o mar, perfumado pela brisa e bonito por natureza (apud Jorge Benjor).

Como tinha sido indicado pela entidade divina que já mencionei, o manjar só poderia ter sido dos deuses.

Na minha idade, muitos amigos já se foram. Natural. Triste, revoltante, frustrante.

Foram nossas últimas horas em companhia de Tavito.

Na fila do embarque tinha me chamado para mais perto e contado da enfermidade silenciosa.

No mesmo instante, por um impulso, falei que se ele fosse eu iria junto. Deu um passo atrás, e protestou.

Não sei por que disse aquilo. Talvez algum ente tenha me alertado, assim que soube da notícia, de que a viagem seria de despedida. E eu não queria que fosse.

E hoje amanheci lembrando de Celso Blues Boy.

Assim que o contratamos, eu e o parceiro Sá, para que integrasse nossa banda, Celso, aos 17, já exibia não só toda astúcia e originalidade do toque de guitarra que o consagraria. Em breve também se revelaria o irremediável rebelde.

Logo no primeiro show, estranhei que houvesse comparecido com um cabo de guitarra, o fio que liga o instrumento ao amplificador, muito maior do que aquele que trazia nos ensaios.

Assim que a música abriu espaço para seu primeiro solo, entendemos a razão daquilo. Celso passou por nós quase nos atropelando e, liberto pelo cabo comprido e com o volume no máximo, exibiu-se para as moças das primeiras filas, alisou o braço da guitarra em movimentos sutis, explodiu os ouvidos gerais, levantou a plateia.

E subitamente voltou ao seu lugar, humildemente como se fosse outra pessoa, outra alma. Não sem antes passar por nós e oferecer um sorriso tímido de desculpas.

Na última foto que fiz ao lado dele, também já sabia que se despedia.

Pedrão, Rodrix, são muitos. Hoje é dia de crônica triste, aproveitando que o sol lá fora está tinindo de alegria.

Parece contraditório mas, como um dia inevitavelmente teria que falar neles, que seja num dia assim.

Lá fora, hoje, há bastante calor e luz para secar as lágrimas.

 

Música do dia.

  • Guttemberg Nery Guarabyra Filho, ou Guttemberg Guarabyra, ou apenas Guarabyra, nascido em Barra, Vale do São Franscico, Interior da Bahia, cronista de ABCD REAL, músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções “Mestre Jonas” e “Outra vez na estrada” (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), “Casaco Marrom” (com Renato Correa e Danilo Caymmi), “Sobradinho” (com Luiz Carlos Sá) , “Espanhola” (com Flávio Venturini), Dona e muito mais. Escreveu O Outro Lado do Mundo e Teatro dos Esquecidos, além de inúmeras crônicas.

 

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